Poemas Suspensos e Arabescados de Die para Nirah

É de sangue, Nirah, o que em mim vai.

Ardente, cálido, o poema

Dementado dentro do medo

Dentro do dentro fundo

Do Poeta.

É de areia. Fuligem. Ouro e estrela

Os resíduos. Os olhos baixos

Do chorar muito. A vida inteira vida

De um vir-a-ser-nunca

Em nossas margens.

É de sangue, Nirah, que me faço

Que me traduzo

Que me esquivo

Que me maltrato

Em cada verso

Esquecido no canto

De vossa sala

De vosso coração.

II

Amar, Nirah, o verbo infenso, o cantar pouco

Os meus ossos de sangue já beirando

As terras adentro. Nirah, o amor é fogo-fátuo

Um querer de carícias extremado. Pertencer

Às cadeias um do outro, de apenas alma-alma

Nos olhos espelhadas. As almas meninas

Desejando imensadas

Tocarem-se bobas no círculo-de-fogo. Halos.

Áureas intensas se fazem sobre o extremo do beijo

Incendiando-se.

E me volto em pureza a caminhar sobre brasas.

III

Que meu poema te beije. Que siga em ti

Os teus extremos. Te toque. Participe.

Que o poema como se fosse feito de água

Siga o percurso do rio que é o desejo

E despeje em ti a voz. A fineza.

Aquelas purezas intocadas

Quando nos tocávamos em verbo

De amor. De vida. Clareza mansa.

Idílio. Clarividência e sonho.

No meu secular sono te sonho

De mãos dadas a caminhar comigo

Rumo à Eternidade. Juntos.

IV

Vivemos o eterno da cicatriz

Nas transparências vistosas.

O esquecido dos lábios

Ficou apenas num beijo

Antigo de tão eterno

Venenoso de tão premente

E calmo de tão pálido.

O beijo era um átimo

Um instante fugaz

Queimando aquilo de róseo,

Ardente, transpessoal,

Uníssono e sibilável

Nas nossas bocas.

Duas cicatrizes vivendo a fogo

Na esteira dos silêncios ardentes.

V

Recobro-me a memória. Deitado

Era luz e imagem nos teus olhos gastos

Daquelas paisagens diluídas. Recobro-me

De uma manhã sem máculas, no outono

De nossas almas, na crisálida amanhecendo

Em nossas mãos. Dos lençóis e filmes

Que vivíamos a dois, quando tudo o mais

Era desnecessário. E havia um poema

Escrito em nossos olhos:

Um poema de amor. Meu.

VI

O amor, Nirah, é um pequeno

Mínimo círculo. De fundura e núcleo

Infinitos. Pairando dentro da gente

Nos sem-limites e desejos

Das conquistas. O amor é trama

No intrincado das ardências. Peleja.

Austero. Fixo imóvel lantejoulado

De quintessências. Amarrado

Na urdidura do espírito.

E quase sempre invejável.

VII

Resplandece. Vive. É fogo e violência

Na superfície d'água. Cristalino, táctil,

Um metafísico de essências

Em ascensão. Líquido. Volátil

E volitivo. Insinuante e sedutivo

Quando olhado. Flutissonante.

Pulsável. E de saudades vive

Se não estás.

VIII

Olhar-te até ser em mim vastidão

Campo coberto de girassóis

Vasta extensão de águas

Nos teus olhos.

Olhar-te em segredo, em doce

Ilusão de te prender à aura

Da minha delicadeza.

E de luzes que nascerem nos olhos

(Os arco-íris de nossas infâncias)

Cobrir-te desse molhado lume

Que é meu beijo sobre teu beijo

Na centelha química da boca.

IX

Olhar severo sobre o meu todo

De fomes. Nas mãos, as fagulhas

De um corpo e sua luz infatigável.

Beija-me. Olha-me espantada

E sente a minha quintessência

A fluir-nos destes halos.

X

Descíamos uns muros

À beirada das ramas dóceis.

Aquilo de sonho raso

Um pisar de suavidades

Em pedras-líquens.

Árvores de nossas jornadas

Vestidas de umas peles verdes.

Mulheres nuas vertendo

Águas num rio sem leito.

Colibris imensos

Nas cancelas

Beijando hastes

De pano. Intensos.

Beijafloridos.

Vivíamos a intensidade

De um sonho-vida

Na imensidade

De nossa medida.

Tu e eu, amor: de panos.

XI

Cobre-me, Nirah, cobre-me com teu sangue

E tua medida de madurez incandescente.

Faz a mim esse favor, esse teu gesto solitário

E muito amigo do nosso amar: cobre-me do fulgor,

Do teu fulgor de antes, quando deitávamos

Naquelas ramas, cobríamos de sorrisos,

E os Deuses se languesciam de nossos corpos

Unidos-baços num abraço de afagos.

Também de beijos. E centelhas

Pulsantes, um desejar de conquistas

E impossíveis heras.

Se refaziam em nós

Aquilo de extermínio

De uns gozos. Derramados.

Cobre-me, amor.

Antes que em nós

A sombra se espalhe.

XII

Para o poema nasci, Nirah.

Para o refazer lúcido de versos

As cantigas de nostalgia

Porque minha terra é um de-lá

Impertencido.

Construo o poema

No meu peito

Sem o papel e lápis

Das saudades.

Nascem-me palavras

Também de lutas

O verbo infenso

Sem contorno.

Construo uma casa.

Ponho janelas

Tábuas maciças

Longas cerdas

Para o teu andar.

Reconstruo-te dentro

Refaço do meu traçado

Um deliquescimento

Do teu molhado rosto

Nas minhas mãos.

E quando apercebo

Tua nítida ausência

Nascem em mim

Os teus passos

Infinitos.

Construo então

Solidão e muros

Para o meu choro

De menino.

XIII

A sós no meu leito de funduras.

Isento. A sós, meu machucado

No seio da madrugada. Arde.

A mácula estriada. Vive de ser

Ave sem ter asa. De fera sem a garra.

No meu leito submerso

- Já cansado de ser mágoa -

Minha canção que deseja

O céu, a barca, a alvorada

Minha canção na tua boca

A cobrir-te de sonoras rosas.

XIV

Em mim moras num espaço de ternuras.

Palpáveis os interstícios da paixão

No entrelace rendado de nossas vidas.

Prendo-te na lisura fina do desejo

E como as prendas do século passado

Teço a linho, bordo em ouro

Os grafismos do puro amor:

'Die e Nirah'.

XV

O verde. O cristalino. A ave metálica

Que cruzava o meu sonho e te procurava

Recostada nalguns muros molhados.

Cruzas o meu corpo assim em fogo

Para que mores na ardência lunada

Dos meus versos.

Cores se equilibram nos teus olhos:

O verde era um campo aberto

Às brancas garças. O cristalino

Se fazia cachoeira de lágrima

E a ave-de-prata era a mim

No espelho da tua alma.

XX

Procura-me antes de mim.

No olhar de uma criança.

Num poema bastante leve.

Nas mansas paisagens feias.

No interior de toda árvore.

Procura-me nas sombras

Ou dentro dos espelhos.

Nos teus pais. Nos teus filhos.

Na tua mesma alma de antes

Quando a mim me viu: incendiada.

Nas veias ou no sangue. No perfume

De todas as flores. Escondido das gentes.

Nas essências das ervas.

Nas pedras cristalizáveis.

Na chaga de um idoso. Num céu

E sua absolutez. Nos astros e zênites.

Nos arcos-íris e memórias.

Nas auroras boreais.

Nos eclipses absolutos

E na espiritualidade régia

De todo cosmos.

Em todos os nascituros também.

Procura-me em silêncio sobre mar.

E se não me achares ao longe nas águas

É dentro de ti que repousarei.

XVII

A menina que me soube além

E que espreitou meu coração

Incendiando-se de alegria.

Que viu o poema nascer

Nos meus olhos. Nas mãos

A suavidade roçando

O tenro delicado do rosto.

Que me soube mágico

De muitas vidas.

E que comigo esteve

Nas privações.

E que ganhou em mim

Um espaço de amor

No púrpuro imenso

Do coração.

XVIII

Catedrais de vidros. Móvel cintilância

Cobrindo o beijo. Tua cintura lisa

Nas minhas mãos. Gosto de camélia

No cheiro das lembranças. E lábios

Vítreos desenhados nos nós

Das mortalhas e arabescos.

XIX

Longe, muito longe, antes de nós

Pairava um vir a ser de desejos

Uma embriaguez de encontros

A possibilidade química da união.

Longe, muito longe, antes de nós

As misérias e indelicadezas

A bruta totalidade da vida

Vã de significados.

Depois de nós, o oceano do amor.

XX

Corpo ofendido de pássaros. Duas asas

Beijando a liberdade dos olhos voáveis.

Assim exaurido de densos voos

Caminho contente

Num céu fendido

A te encontrar

Nos imensos.

Cubro-me de pássaros. De asas.

As penas adejam levíssimas

Meu salto de infinita vontade

De te encontrar.

Nos imensos.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 09/07/2014
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