Fogo entre nuvens
Fogo entre nuvens
Miro com calma, reviro intrincáveis ruas desprovidas de você, sem ao menos descansar em qualquer sombra. Procuro a musa íris nos teus olhos, no centro dos teus olhos! O bronze de tua pele mal polido pela vaga lembrança. As mesmas ruas sem beleza onde trancados vivíamos nosso sonho. Ate mesmo no escuro as mãos podiam ver os beijos podiam enxergar língua colada com língua. Os olhos podiam amar fechados de prazer.
Musa de cabelos frisados te olho como quem quer e nada quer. Olho-te de dentro de minhas palavras intocadas retocadas para te seguir de perto. Viro esquinas em teu olhar; e no fundo escuro de tuas imaginações ainda á algo como a fome das ilusões.
Uma luva negra para cada mão da solidão, para afagar no escuro meu rosto, cobrir meus olhos e despojar-se de meu gozo.
Uma luz cinza dentro dos destroços que choram em vãos vazios. Intocados intercalados por ecos e soluços, gemidos. Um rolar de lágrimas tão pequenas fabricando insônias. Noites sem calor, embrulhadas em neblinas. Passam entre pensamentos as íris envoltas nas chamas.
Estou amparado por todos esses livros que apodrecem em suas vozes e visões... Tão inconcebíveis como possíveis.
Fico fraseando no súbito anoitecer um crepúsculo qualquer, um engasgar de amores, um cumulo saber de cores atrofiadas nas curvas da visão. Fico fraseando... Se não em palavras que decifram todos os momentos para outros momentos. Um pequeno gesto para imprimir a tarde fora do circulo de seu fogo. Por entre os meus olhos intrincáveis, num frívolo desespero de se aguçar, criar das poucas alegrias o meu súbito instante. Nas asas de um livro aberto a voar sobre um mar... O mar dos meus naufrágios sobre os montes. Divago pelas sombras que meus olhos captam na fuga visão aos horizontes. Com asas fulminadas e malas na mão. Fujo através de ruas por meu próprio coração.
O amor é algo que já não pode mais que sua completa dor que nos liberta. Gasta tanto tempo lembrando-se de coisas, que para sempre sepultamos, e nunca mais concorda, concordando, com erros que um dia tanto desejamos. Engole toda imaginação dos poetas, e não há digestão! Só há náuseas e mais nada.
Não posso transportar verso algum além destas grossas camadas. Acúmulo de solidão dada em caro silêncio revestido. Estou cego de sentidos... Que já não medem a profundidade das coisas, seja no olhar no tocar no sentir no provar e no ouvir, estou cego por não saber mais existir. Ou por existir!... Além do silencioso grito de toda essência, onde dormindo estamos de fato acordados, escondidos na loucura de olhos enfadados, muito além dos azuis horizontes com suas serras raras. Num mar calmo e distraído da cinza e pálida esperança.
Viajam trevas sobre a luz abraçando a imobilidade da eterna criança; que sempre está lá! Que é o que é! Por se saber Ser... E nunca esquecer como saber terminar.
Vago adiante, fogo entre nuvens derivam na direção da minha boca, suas sombras dormem sobre o meu corpo. Abaixo de minha língua a luz é muito pouca. É feita da dura camada dos silêncios! E resplandece em frases através dos meus olhos, curtas demais para dizerem qualquer coisa, exatamente mudas e graves e cheias de medo.
Eu vejo a transparência desses dias, por detrás das janelas entreabertas... Nos alvos cabelos das senhoras donde vão se aninhando um frio. Lentos os velhos trafegam pelas praças, sem muita pressa. Uma sombra desce por sobre tudo, e os raios por trás dos montes deitam-se mudos, como as aves que ali regressam. Passam pesados os ventos que se desatavam sobre mim! E no silêncio se faz ouvir um som, de ventos sobre o capim.
Vento ferido, que aos fumos e as brisas se encarde, quando rolando lento passa e se perde... Cheiroso qual a jurema em flor se abrace. Circulo veloz do arco que pinta de ultimas trevas, os céus que acendem seu fulgor em fins de tarde. Em tiras nuvens petrificadas galgam imóveis imensidões... Rolando assim sobre os sertões sem muito alarde.
Meus dias são essas cacimbas fundas de saudades, de estrelas num pote d’agua brunidas, de tudo que partiu e do que ficou... Desta vida ganha e perdida.
Francisco Cavalcante
Escrito em 22-05-2014 Portalegre RN.