Se fosse hoje o dia de minha morte
e chegassem dois minutos depois,
haveria água no fogo para um café,
e gomos de mexerica sobre a mesa.
Os gatos estariam pegando um sol
esparramados na área de serviço,
as janelas estariam todas abertas,
as portas trancadas, as luzes apagadas
as camas feitas, a louça lavada.
Haveria um último apontamento,
esquecido no último caderno de notas;
e o último poema não seria este,
seria o que foi escrito antes e aquele,
aquele rascunho ninguém veria.
E me encontrariam de camiseta e moletom,
que não costumo andar pelado dentro de casa,
mas se fosse lá fora, quem sabe, eu preferia.
Iriam me achar descalço,
porque sapatos não deveriam ter sido inventados,
eu estaria despenteado e sem barbear, como agora,
como agora ainda estaria com um banho por tomar.
E haveria, espalhados, uns tantos desenhos por terminar.
Decerto me encontrariam sorrindo, não, só dormindo,
e, de todo modo, eu estaria mesmo partindo,
ou não, porque não haveria mais viagens,
nem seu motivo nem sua necessidade ou vontade,
não haveria mais estradas, nem trilharia os caminhos.
Haveria somente o que haveria de haver: a morte.
E a morte seria este lugar nenhum neste tempo algum,
que é onde eu estaria ainda mais sozinho...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 23/06/2014
Reeditado em 13/01/2021
Código do texto: T4856114
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