NOITE SEM JANTA
  


   Chove em São Paulo
   Tor-ren-ci-al-men-te
   E eu nem tenho guarda-chuva
   Tenho apenas

   Um gosto de guarda-chuva na boca

   É boca da noite
   E pra quem saiu de casa “à noite”
   O bom é que o ônibus não demore
   E se, se mora no "fim do mundo"
   Já não se acha o viaduto do chá
   Tão charmoso


   Eu não me desencanto
   Porque enquanto espero
   Fico a olhar as pessoas
   No ponto do ônibus
   (Que mais parece

   Um ponto de interrogação gigante
   Ou o obelisco do Ibirapuera)


   Ninguém fica à vontade
   Alguns olham o Anhangabaú
   Com admiração
   Esperam em pé
   Impacientes, prontas pra dizer palavrão
   Outros esperam sentados
   Puxam conversa
   Desconversam
   Observam o Trianon, o vão do MASP...
   Talvez nem saibam aonde vão
   O ônibus vem, cheio, passa
   Vai embora
   Eu, "cheio" embora atrasado
   Aguardo outro
   (Que não vem)
   Atento, olho o tempo
   Já não chove tanto
   Penso, logo existem tantos pontos
   Da Ponte Pequena à Ponte Rasa
   Nos pontos mais diversos da cidade
   Até debaixo da ponte


   Tonto, caminho
   Fazendo um caminho diferente
   Canto enquanto ando
   Ando de um lado, pro outro
   Tentando desviar os passos
   Mas, sempre uma poça
   Acha meus pés
   Passo no bar, coço o bolso
   "Aceita passe?" Peço mais uma
   "A última" juro!


   De repente... o ponto final
   (Minha casa)!
   Ninguém faz caso

 
   Nem oferecem janta

   A ponto de desmaiar durmo
   Sem banho mesmo!
   Amanhã, por acaso

   Tenho que estar em pé às seis

   Em ponto!
 

 
   S. Paulo, 05/06/2010

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