Filho desse ou daquele
De tantos mundos fui hospedeiro
conheci o belo e o feio, o manso e a fera
o vírus e a cura, o falso e o verdadeiro
Fui o calor por debaixo das saias das beatas,
fui o cio de virgens imaculadas
fui os lascivos desejos preconceituosos
de belas mulatas
Como Arlequim
muitas cabeças de Pierrôs ornamentei
perco a conta das Colombinas em que me deitei
Nunca fui santo ou médico
não usei um crucifixo pendurado no pescoço
e tão menos, nas mãos, bisturis afiados
mas já operei milagres, abri corpos e almas
mandando para o outro lado muitos santos safados
Minhas vezes de Quixote meus moinhos foram às rosas.
Nunca acreditei naquela beleza se exibindo no alto da roseira
sustentada por espinhos, mostrando-se faceira, exuberante
No entanto, iludindo com falso e inútil encanto que murcha
em ditas verdades e curtas prosas
Portanto, confio sim nas videiras
do fruto esmagado e pisado
transformam-se em deliciosos vinhos
que molham a secura e alivia a amargura
daqueles que também foram abandonados
nos Hortos das Oliveiras
Fui dono de armazém e mercenário
Alimentei a miséria, fiz a caridade lotando os orfanatos
com as vítimas do meu lucro armamento
Meu chicote, marcaram muitas costas
daqueles pixotes de Babenco
Das bocas dos velhos nos asilos ouvi muito lamentos
com a água ardente afoguei seus sofrimentos
Das pedras que recolhi do meio de meu caminho
construí muralhas, fui arquiteto, fiz meu ninho
E como ateu cá estou injuriado
uns dizem que sou eu filho de Deus
outros que sou cria do diabo