A Serpente em Versos
Para Henrique Timbó
"Elas se movimentam em ritmo amplo, livre, em nobre sinceridade, em uma paixão que é suprapessoal; elas ardem com o fogo poderosamente calmo da música que brota nelas de profundidades inesgotáveis - mas tudo isso com que fim?"
NIETZSCHE
I
A música é como um poema ao avesso,
Escrito de dentro pra fora.
Versos devorados por entranhas:
Notas autofágicas.
Realidade bruta:
Beleza do inarmônico,
Contratempo na sagração.
Ruivos tons e passo em falso:
Poesia atemporal, esteta.
Poetas em pedaços,
Caprichos bem temperados:
Inverno quente, de barro.
Cravos esperando a primavera.
II
Diz da serpente, o rastejar,
Lugar-comum do ignorante.
Na serpente só há voo,
Sobre o tempo, ela esquece.
Enxerga o escuro: a solidão.
Não vê razão no mundo,
Prefere destruir.
A serpente se arma
Cria o mundo,
Devora o homem.
III
Caça e caçador,
Na ponte do impossível:
O bote, na hora certa,
Devora a presa.
Espaços de existir,
Luares e venenos:
Debussy.
A serpente em fuga:
Matizes de outono,
Força bruta.
Sob os olhos de Deus,
O diabo na música.
Movimento e dança
Corpo que responde a instintos,
Intestino que canta.
Cromatismo na ruína do tempo.
Gosto de morte:
Gritos de Wagner,
Sussurros de Mahler.
Cartas de amor
No silêncio das lápides.
A serpente em pedaços,
Implodida e refeita -
Agora, avessa a tons,
Foge de tríades:
Mergulha no infinito:
Um novo universo
Em doze dimensões.