Vovó Catarina

Ela confundia coito com coisa e coisa com coifa.

Por isso, muito ria de si mesma quando se via no espelho

E dizia que era tudo como uma história de amor, só que

sem casal algum.

Por esse e outros motivos que resolveram internar Vó Catarina.

Nos primeiros dias a casa ficou em paz:

Vovó já não pedia por três banhos diários

Nem falava absurdos nas refeições principais

Tampouco ligava a vitrola ou gritava "são braiiis"

A filha, o genro e os netos

Assistiam à televisão

Quando alguém levantou a questão

"O que vamos fazer com o quarto da Vovó?"

Escritório

Sala de visitas

Quarto de boneca

E no domingo começaram a demolição

Da cama, móveis e objetos

Fizeram lenha bonita

Pra fogueira de São João

Pintaram por cima do papel de parede

De branco, amarelo e verde

Dando a tudo nova cor

Mas foi na segunda à tarde

Que o telefone tocou

Era a Vovó Catarina

Dizendo: "A pomba branca voltou"

Ela esperava na padaria, de óculos escuros

Celular e botina, feliz, feliz da vida:

"A pomba branca voltou!"

Com uma maleta pequena, roupa do corpo

e um travesseiro de pena

Atravessou o jardim, a porta, foi certeira

ao seu quarto, enfim.

- !!!!

Vovó Catarina que tanto ria, desta vez chorou

Tocou as paredes: nova cor,

Tocou a mobília: tão nova,

As cortinas: tão claras,

E sua cama cadê?

Sua colcha que ela mesma fizera?

O criado-mudo, o lustre, a vela?

O retrato?

Cadê?

Chamou a filha de cadela

O genro de porco intruso

Os netos de pandemônios energúmenos

E chorou.

Vovó Catarina agora mora no quintal.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 11/05/2007
Reeditado em 25/07/2007
Código do texto: T483225