Domingo-chumbo
Madrugada d’um domingo-chumbo
Deus tirou-me visão e juventude
Rasgou-me os olhos. Águas tépidas. Indômitas.
Estou morrendo
Faz frio lá fora e chove e vento
Deus tirou-me pele, nervos e abraços
Partiu-me os ossos e a cara
Estou morrendo
Escuridão no quarto. Corpo-fardo
Deus tirou-me voz, lábios e beijos
Levou-me o verbo e as palavras de amor
Estou morrendo
Fez-se silencio em toda loucura
Deus tirou-me tímpanos, orelhas e sua voz
Arrancou-me promessas e lealdades
Estou morrendo
Apenas o nada. O Barro, o vão e o espaço.
Deus tirou-me alma, armas e grilhões
Cobriu-me de pó e pequenas cicatrizes
Estou vivendo.