[Sob o meu olhar, outros me espiam...]

Quando eu me outro,

fico à espreita de outros olhares,

torno-me excessivamente cuidadoso,

perco-me em mim mesmo,

procuro pisar só onde antes olhei...

Tenho receio, tenho muito receio

de que esses tipos... ah... esses tipos...

O dono da pequena casa de "joias e relógios"

que se matou — a razão, quem sabe...

o vagaroso cartorário de cara amorfa com a sua vocação

para ser sempre, até morrer, o segundo no cartório;

o anódino e circunspecto dono da portinha de vender bilhetes de loteria;

o dono da loja de armarinhos que se matou após emitir

vários avisos silenciosos que nunca foram lidos;

o dono da velha farmácia, centro de reunião dos velhos linguarudos;

o dono da funerária que tinha uma jabuticabeira nos fundos do quintal,

a única jabuticabeira que eu temia ou tinha asco de saborear as frutas... eu, hein?!;

Sim, sim... quando eu me outro,

quando desprezo tudo que fiz na vida,

quando penso que tudo foi inútil,

eu tenho receio, tenho muito receio

de que tipos assim, como esses,

que eu tanto abominava,

tipos que os meus olhos-meninos

não conseguiam parar de olhar,

sejam, agora, finalmente, revelados em mim!

É como se em criança, em vez de sonhar

ser um escritor ou o cientista nuclear em que me tornei,

eu tivesse mesmo era vocação,

não para esses voos literários ou científicos,

mas para levar a mesmice de vidas assim, como essas,

previsíveis, pacatas ao absurdo; e pior: inominadas,

pois a gente os nomeava pela atividade, não pelo nome!

Quando me outro, alheio-me tanto do mundo ao meu redor

que hoje, ao entrar no banheiro pensando nessas vidas

que eu nunca fui, nunca vou ser, mas que poderia ter sido,

ao invés de escovar os dentes, maquinalmente, eu fiz a barba!

E olha só — mesmo perdido noutro mundo, eu não me cortei!

Tremo só em pensar que, um dia, eu poderia ser achado morto,

frio já, detrás de um daqueles balcões ensebados,

aquele de um estabelecimento "de a gente ser o mesmo”,

numa rua qualquer de Araguari-MG!

Se penso assim, eu queria mesmo é morrer num cruzamento

infernal de movimentado da minha segunda cidade-mãe – São Paulo!

O que será que eu quero? Eu nunca soube, passei a vida me perguntando

sem nunca ter resposta... o que eu quero mesmo?

Se para escritor não tive talento e nem sorte, o que eu posso querer?

Ah, é tarde... Agora, quero nada, nada não... será? Mas desconfio de mim!

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[Desterro, 02 de junho de 2014]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 02/06/2014
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