JUNTO AO PEITO (OU OLHARES)
O painel à frente sugere um poema,
Sob ele há vasos de vidro transparente, sem flores,
Vazios e solitários como em esquecida sala.
Tento o poema e o deixo de lado, apenas por um tempo,
Abandonados foram os vasos sobre o balcão.
Entretanto, levo-o comigo, junto ao peito,
Aqueço-o e, quentinho, ele adormece em silêncio,
Convivência de entendimento e aceitação.
Não permito que esfrie e morra, há que subsistir.
A Santa Mãe ampara amorosamente o Filho.
Ela ungida, em ouro emoldurada, leva-o ao colo,
Na auréola, o merecido diadema de ímpar santidade.
Perdoa-me, Mãe, esta heresia,
Entretanto estás nesta poesia, na qual segui teu exemplo.
O painel me lê e eu nada sei de mim,
Além do poema que levei para a aquecida cama.
No quadro, da mesma forma, está a outra,
Moça Art Nouveau que carrega displicente,
Tranquila ave adormecida, como se fora capa de Vogue,
Modern Style de galeria parisiense.
Arte acadêmica jogada às favas,
Subversão de princípios básicos. E o pássaro não voa.
Entre a mãe enternecida e a moça com o pássaro amarelo,
Há o olhar do touro atrás de vermelha capa.
São vários olhares ante o meu, este que se desconhece,
E o do toureiro, frente a tantas realidades.
Cresce o olho taurino, medo ou revolta, pronto para o ataque.
A moça, refletida na parede espelhada,
Expulsa o romantismo, de tão artificial modelo.
Mais vale o ouro emoldurando mãe e filho
Que um pássaro na mão e um olhar enfurecido.
Sinto-me como quem precisa dominar feras,
Acordo com meu menino nos braços,
Sorrindo, agradecido pela sobrevivência.
Dalva Molina Mansano
Londrina, 01 de junho de 2014
15:35