O dia em que o homem matou

Ele foi bom,

Esse foi o dia da superação, bom profissional, uma ética técnica invejável, oportunista, consegui enxergar oportunidade de negocio em cada cenário que o rodeava, hoje ele não deixou com que nada passasse desapercebido como sempre, hoje tudo virou venda, a persuasão aflorou-se, o dom do diálogo contaminava as pessoas, a competência fazia com que as pessoas tivessem prazer e vontade em gastar seu dinheiro com seu trabalho, ele estava dando lucros a sua equipe, estava tendo na veia o entendimento que todo empresário gostaria que seus funcionários tivessem, entendendo os processos, fazendo com que o custo de suas despesas fossem cobertos através dos lucros que estava trazendo , estava vindo de uma semana com tantos números que poderia pedir um aumento a qualquer momento que lhe desse vontade, mas era tão digno que preferia ser um profissional competente e executar sua função sem esperar nada em troca alem de reconhecimento.

Ele não ligava se estava com três meses atrasados de novo, já aprendera a programar-se sem contar com esse dinheiro, sem passar aperto com as contas, pois sabia que por mais que atrasasse a palavra de seu superior sempre vingara e o dinheiro conseqüentemente ao fruto de seu trabalho chegaria.

Sem cobranças, jamais falou de dinheiro, pro mais que precisasse, honrava suas dividas e não cobrava ninguém, simplesmente trabalhava com a mesma motivação todos os dias.

Sacrificar todos os seus amores não era tarefa difícil para esse coração, tinha envolvimento com tantas coisas que era de se espantar como tinha desenvolvido auto controle o suficiente para abandoná-las de forma tão radical pelo trabalho, eram amigos, quadra, estudos, filmagens, encontros com tantas amigas que tinha, trabalhos por fora os quais sempre fizeram parte de sua vida artística, os fim de semana viajando, as risadas...

De domingo a domingo, em carga horária puxada, trabalho exaustivo, incansável, aturando a tudo e a todos, com toda dificuldade da rotina paulista que milhões vivem e conhecem bem, mas ele crescia, ele não mais era o muleque que estava na rua, ele era o homem que “segurava as pontas” em casa.

Um louvável empenho, que infelizmente fora banalizado com expressões duras e ríspidas. Por uma ação de pressão tamanha que seus “senhores todo poderosos” estavam passando, os últimos dias estavam sendo sufocantes, todos os dias sua paciência era posta a prova, mas naquele dia foi o fim de tudo, despejaram toda sua ira febria em cima do homem, tomado pelo ódio das cobranças e da falta de dinheiro, ao ver seus negócios não irem bem o senhor viu-se na necessidade de explodir em forma de bixo e vingar-se, aliviar esse stress, ele precisava soltar de alguma forma todo o caos contido em si, transmitir o furacão insano a alguém simplesmente para sentir-se no poder novamente, então fez isso em forma de exibição, convocando suas marionetes a assistir o teatro e saiu da razão, ultrapassou os limites e extravasou sobre o nosso homem, como segue-se na lei da selva de concreto, o elo mais forte escuta, o mais fraco apanha e quem pode bate, mas ele feriu algo muito alem do que um dia poderia sequer imaginar...

Ele jamais conseguira envergonhar nosso homem, não se pode envergonhar um “daqueles” mas o senhor manchou algo que ninguém conseguira construir de tal forma até ali na vida de nosso homem, o senhor havia trilhado caminhos tão louváveis que ele o admirava, ele o via como o exemplo de homem a ser seguido, como o caminho da perfeição, sobre todas as imperfeições ele o admirava, como um herói, como um pai...

Era inacreditável a forma com que ele se referia a seu senhor para seus amigos, mostrando o ser humano fantástico que o mesmo era para ele, quanto havia aprendido com tudo o que passara por mais que a relação por diversas vezes tivesse sido conturbada, mas hoje... há.... hoje, hoje o senhor conseguiu desmontar tudo isso, mostrou-se o podre, imundo e imoral ser desprezível que sempre foi, carente por atenção, daqueles que mudam de comportamento em publico, dos que mostram-se superiores com o peito estufado para inferiorizar os que o rodeiam.

Não ouve resposta do homem embora ele nunca se sentira ameaçado por nada, não tinha receio de falar, sempre falou, mas dessa vez achou que não valia a pena e simplesmente saiu, ele arrumou todo seu local de trabalho, deixou impecável como todos os dias, limpou sua bancada e saiu, cumprimentou as pessoas como todos os dias, desceu pelo elevador, olhava no espelho e via seu semblante diferente dos dias em que vivia e vivia intensamente com alegrias e tristezas mas livre...

Ele foi andando até o ponto, o frio naquele dia estava batendo pico no gráfico anual, ele caminhou pensando em tudo e chegou em seu ponto, haviam 5 filas esperando o ônibus que deveria pegar, pessoas esmagadas, cotovelos, a velha historia do senhor resmungão falando que a velhinha poderia dar lugar a uma senhora de mais peso ou idade e por ai iria, ele preferiu evitar isso naquele dia, o mormaço, os mal educados, as bolsas fechando o corredor, não estava afim daquilo naquele dia e foi andando, foram 60 minutos andando, 60 minutos pensando e deu tempo de pensar em muita coisa, nessas horas naturalmente o ser humano consegue juntar todas as infelicidades de seus dias e vive-las todas de uma só vez, senti-las, sofrê-las...

Seu peito foi pouco a pouco sendo tomado por um ódio incontrolável mas ele era bom com seu próprio domínio, a qualquer momento poderia ficar bem novamente, bastava querer, porem ele já não quis, ele queria sentir isso tudo mais um pouco, aproveitar a ira, por menos aconselhável que isso parecesse, nesse dia ele quis ser normal, quis sentir a raiva, não quis mais ser um herói invulnerável, e caminhou com o ódio.

Seus pensamentos eram embalados pelas buzinas, noite na cidade, ele parte do centro de são Paulo, as belas luzes da são bento, da Ipiranga, o corredor dos ônibus e ele anda, um acidente acontece em seu caminho, homens discutiriam ali o valor dos carros quebrados, gastariam dinheiro, era o transito paulistano, o capuz da blusa escondia seus olhos vermelhos, trêmulos, distantes e medonho...

Tanta coisa vinha a sua cabeça que ele se tornou uma muralha de revoltas, aquela situação de dependência da droga que ele mais odiava no mundo, o dinheiro, ter que pagar aluguel para um canalha cretino e sem palavra que abusava de suas condições para maltratar sua família, o sapato todo aberto embaixo deixava suas meias molhadas durante a caminhada, ele odiava aquilo, lembrava de sua marmita de arroz puro, sempre dava graças a Deus por ter aquilo pois já sentiu por diversas vezes o gosto de não se ter nada para comer, o arroz lhe era gratificante porem no fundo no fundo ele gostaria de ter algo a mais em seu prato...

Lembrava que nunca quis nada sofisticado na vida, sempre amou o simples, queria a simplicidade, amigos, talvez uma garota que o compreendesse, que não ligasse para o dinheiro ou a superficialidade, aquela que em dias como esse ele simplesmente descontaria em seus braços, abraçar-lhe-ia e encostaria sua cabeça em seus ombros e ali ficaria durante minutos até que sua ira não existisse mais e no dia seguinte estaria renovado para enfrentar tudo aquilo novamente e perdoar o percussor do desatino de sua raiva, mas lembrava que essa garota jamais existira, lembrava que todas as mulheres que conhecera foram vazias, sempre tão lindas, de belas formas e de corações interesseiros, nunca ligaram pros seus sentimentos, nunca entenderam a realidade de seu mundo, nunca precisaram de preocupações e responsabilidades, lembrou de tantas e tantas que passaram por sua vida e simplesmente só passaram. Ele lembrou do mercado desigual, dos diplomas, dos ricos, dos filhos dos ricos que vão na faculdade para se envolverem com mundanas, dormir nas mesas, sair mais cedo para ir para o bar, lembrou que estudava com livros e revistas nos ônibus enquanto isso. Ele pensou nas pessoas que passaram por sua vida prometendo a eternidade mas no primeiro romance o largaram para viver as ilusões que a criançada assiste na televisão, lembrou dos sonhos que tinha e de como estavam longe de serem alcançados, lembrou de Deus e dos pais, lembrou do descaso, das autoridades, das pessoas com “poder”, foram eternos 60 minutos caminhando para decidir que rumo tomar mais uma vez, ainda estava em uma quinta feira, sua semana não acabava-se na sexta, ainda tinha o fim de semana de trabalho pela frente, como entraria novamente em um lugar onde agora as regras foram mudadas?

Ele ficou bravo com as lembranças no caminho, passou pelo posto que uma vez teve que caminhar ao encontro para buscar gasolina no saquinho e por o carro para andar novamente e lembrou que cobraram absurdos no saquinho, lembrou que não adiantava reclamar ou argumentar com o frentista, ele não havia feito as regras, simplesmente jogava o jogo, no caminho ele via quantas pessoas levavam vidas mais calmas que a sua e talvez não tivessem o mesmo merecimento, lembrou de quantas empresas passara e jamais sentiu-se um ser humano, pensou em quantas pessoas não dão valor ao que tem.

Algumas lembranças o perturbavam...

Ele chega em casa e no corredor como sempre o cachorro do dono avançou-lhe mas dessa vez como que para incremento de seu dia ele mordeu-lhe o braço, a dor física era o menor dos males, ele não podia fazer nada, eram os donos da casa, era engolir a raiva ou ver sua família despejada, como sempre optou pela segunda opção e entrou, em seu quarto não encontrou paz para escrever, uma casa pequena, um irmão mais novo, o pai gostava de cantar e fazer piadas, era um ambiente agradável, ele gostava, porem para escrever não era bom, ele enfrentava dificuldades de concentração total em momentos como esse, mas não havia cabimento pedir para que mudassem isso aquele dia simplesmente para que escrevesse, então ele ganha a rua novamente, em um frio insuportável, seus amigos já tinham saído do trabalho mas estavam em seus cursos, faculdade, outros dormindo para enfrentar o dia de amanha, ele não queria incomodar esses, não tinham amigas, essas não perderiam seu tempo em uma conversa na praça no frio.

Ele desce para o bar, não costuma beber, não tem o habito, tão pouco seria fraco para embriagar-se para esquecer de seus problemas, simplesmente queria estar naquele ambiente naquele momento, inexplicavelmente...

Era ele, a cadeira alta de mármore cimentada no chão e o balcão, bebia coca, depois algo mais quente, sentia o álcool queimar sua garganta, goles suaves, jamais havia se embriagado e não seria diferente essa noite, cada gole que cortava sua garganta salientava o gosto de sues desesperos e aguçara-lhe o paladar, ficou observando as mesas de bilhar, lembrou de como já riram por lá ele e seus amigos, lembrou das apostas, do dia seguinte as apostas que quem pedia jogava vestido de mulher, lembrou dos caras passando por de baixo da mesa, sorriu, a alegria durou segundos quando resolveu olhar para o relógio, eram 3:00hrs da manhã, ele sempre levanta as 5 e pensou que seria difícil trabalhar na sexta, com tudo que havia acontecido e agora iria quebrado não iria dormir nada, não iria descansar, seria com todas as vezes que ficava na empresa até de madrugada sem receber hora extra simplesmente para executar seu trabalho, a pedido de ninguém, só por sua consciência, então resolveu levantar e ir pra casa, tirar um cochilo para encarar mais um dia por necessidade, necessidade essa que o deixava mais desanimado ainda pois sempre sentia-se meio incapaz, meio incompetente por depender daquilo, as pessoas boas de verdade não precisariam trabalhar assim, teriam colocações mais dignas, mas ainda era novo e sabia que seu futuro era muito mais do que aquilo.

Pegou um nota e algumas moedas, deixou sobre o balcão, as duas mãos no bolso, ele sobe a rua rumo a sua casa, percebe um homem com um olhar maldoso descendo em sua direção, algo lhe dizia que o homem o interrogaria, uma expressão convicta, um olhar frio e maligno, antes que chegasse mais perto percebeu uma arma em sua cintura, era uma 9 milímetros, arma que ironicamente era usada pelo mesmo nos tempo de ignorância e demência, tempos os quais ele jamais sentira orgulho mas orgulhava-se por superar aquilo tudo e hoje viver dignamente trabalhando, na realidade, pensar que agora não estava mais envolvido com caminhos fora da lei era o que o consolava e aliviava quando se via como escravo trabalhando com um peão, entre o espaço do andarilho com arma na cintura aproximar-se dele, ainda deu tempo de outro pensamento, pensou como a vida era rotatória, pensou que já estivera dos dois lados da arma, já foi o que rouba e já foi a vítima, desde que largara o mundo da loucura ele já havia sido assaltado diversas vezes, já havia reagido e por isso tomado facadas, carregava as cicatrizes de sua coragem de tolo nas costas, pensou quantas vezes deixou ser assaltado sem reagir para não deixar pais e parentes chorando e pensou que já havia vivido dificuldades de mais para que deixasse agora mais um vagabundo levar-lhe o pouquíssimo que tinha, sua honra interna falou bem mais alto, ele não se deixaria assaltar em seu bairro, bairro esse onde sempre viveu, cresceu e levou no peito, ele não, não por um pivete daqueles, era um garoto novo... seu pensamento foi interrompido pelo anuncio “vai maluco, é um assalto, vai tirando a carteira, VAI, VAI VAI!!!”, a mão direita do maltrapilho segurava a arma ainda desengatilhada na cabeça dele, com a mão esquerda segurava seu braço, ele pediu calma e pegou a carteira, entregou ao rapaz até então assaltante com toda experiência de vida que tinha, dentro dele existia a certeza de que o vagabundo falharia, foi o momento de entregar a carteira e o cidadão olhou para ela, nesse instante nosso homem olhou por cima dos ombros do ladrão como quem esta vendo algo ou alguém se aproximando, faz um olhar de alívio com um amador que deveria ter disfarçado para dar cumplicidade ao ajudante salvador que naquele momento não existia, nessa fração de segundos o vagabundo assustou-se e olhou para trás, foi o momento de aço do dia, o palco era o asfalto da casa verde, a madrugada silenciava todo o acontecimento, era só os dois, como no velho oeste, um morreria, o homem tomou-lhe a arma com as duas mãos fixas e firmes, uma segurava por cima do cano e a outra no ponho direito do ser, ele ficou de costas para o rapaz segurando seu braço enquanto o desarmava e em um movimento brusco e rápido voltou-se de frente ao verme que agora estava com as duas mãos para cima implorando por misericórdia, nesse momento todo seu dia passou por diante de seus olhos e ele sentiu uma brisa subir por todo seu corpo, ele fecha os olhos e tem um sorriso aliviado, lembra do exemplo, lembra que o cara que tinha por exemplo de ser humano, seu senhor, há via descontado sua ira no mais fraco e naquele momento ele era o mais forte, todo ódio sentido até aquele momento estourou em um no na sua garganta, parecia uma bola solida engasgando-lhe, seu olhar foi o mais terrorista da noite, o braço firme e ereto apontava a arma exatamente no meio ta testa do verme inútil que naquele momento gritava “pelo amor de Deus, não faz isso, eu tenho uma filha”, ironicamente enquanto o verme o assaltava ele não pensou se nosso homem tinha família, o homem pensava como era triste que um verme daqueles colocasse uma filha no mundo, que futuro a menina teria? Que exemplo teria? O mundo estava do avesso, tudo estava errado, por quantas e quantas vezes ele acreditou nas pessoas e por quantas vezes as mesmas se mostraram não confiáveis? E se ele estivesse mentindo? Que se dane se fosse verdade, uma vez na vida o ódio seria pago com o ódio, a raiva seria extravasada, ele engatilha o metal nocivo, puxa com violência a trava por cima do cano e esse foi o dia que o homem matou.

Matou o pensamento retardado de que a ira se desconta no mais fraco, matou o “olho por olho, dente por dente” matou o sentimento de maldade e o espírito de vingança, matou o orgulho, preferiu voltar para o trabalho no dia seguinte mais uma vez submisso e tranqüilo, descente e honesto, ele engatilho a arma, mandou o verme fechar os olhos e atirou...para cima, segurou sua mão e disse-lhe “hoje eu estou vivendo de novo para o futuro do sucesso dos meus sonhos, não será fácil em nenhum dos meus dias mas isso só tornará a realização deles mais gloriosa e hoje é o dia que você nasce de novo, para a sociedade e principalmente para a sua filha, a partir daqui você vai em paz, eu orarei para que Deus ilumine seus dias e hoje vai será um Homem de verdade”

Os dois abraçaram-se e choraram, o vagabundo jurou nunca mais andar pelo caminho errado, entendeu que se todos andassem com maldade no coração, naquele momento ele estaria morto e pareceu verdadeiramente a importância do amor, da bom sentimento, das boas ações, seu olhar era sincero e o homem preferiu acreditar nele, mais uma vez acreditando nas pessoas mesmo até aqui não tendo muitos motivos para isso.

Desfizeram-se da arma e cada um tomou seu rumo, o andarilho, somente Deus sabe o rumo que tomou e como dirigirá sua vida daqui pra frente, o nosso homem foi pra casa durmir a única hora que lhe restara para na seqüência trabalhar novamente com todo o empenho de sempre, mas antes ele ligou o PC e escreveu isso, postou no recanto das letras e mais uma vez almejou que as pessoas se dedicassem a essa leitura e entendessem as dificuldades de uma vida real, não querendo ser jamais reconhecido, mas tornando mais uma vez sua vida um exemplo, esses são seus ideais que graças a Deus até aqui não caíram em contradição, e ele vai seguir vivendo todos os dias, com a cabeça erguida e trilhando sua historia, escrevendo na terceira pessoa e enfatizando que... “a vida é essa”.

Naquele dia ele deixou de seguir o exemplo do homem que lhe era o maior exemplo

Para tornar-se o exemplo a ser seguido.

(((_baseado em fatos reais_)))

rOg Oldim
Enviado por rOg Oldim em 11/05/2007
Código do texto: T482825