CHEGANDO A HOJE

Sentado no muro,

sinto nas pernas o musgo quente,

contando-me histórias

de recentes invernias.

Sei a montanha,

á minha frente,

mais do que a sinto,

e nela pressinto

sombras e desconhecidos.

Atrás de mim

o quintal,

num borrão de cores,

plano até ao infinito

- que outro muro de pedra

me não deixa ver.

Nos seus verdes,

sombras brancas

margeiam os caminhos,

por onde os dias rastejam

para baixo das pedras,

ondulantes e viscosos

como cobras,

escondendo-se de mim.

Trazem-me os restos

das minhas paixões diárias,

em cestos de trama simples,

quadrada, quotidiana,

que se acumulam no chão,

ás minhas costas,

cada vez mais perto,

empurrando-me

sem que os veja chegar.

Neles, chegam ecos

da vida com os outros,

desejos e anseios sobrantes,

fomes primordiais,

vontades e medos atávicos,

vitórias e derrotas simples,

planas, plenas, inquestionáveis...

Entre a montanha, á minha frente,

que apenas sei,

e a planura dos dias

ás minhas costas,

teimando em não serem esquecidos,

guardo memórias sobrepostas,

da transparência do ar

e dos risos das flores,

cheiros de erva-doce

e sabores ácidos,

de trevos entre os dentes,

com sons de insetos passantes,

e vento quente,

nos braços vibrando pelos...

11/5/2007