O Jornal
O Jornal
Ylagam
Na primeira página,
Já foi manchete tudo
Vietnã, Golan, Iraque.
Egito, ditaduras, Líbia ,Obama ,Lula,Dilma,eleição,reeleição,rejeição
Tudo (di) de uma só vez.
Noutra edição alagações e morte.
Quão terrível este mar e terremoto.
Viro a página, e nada vira
Só meu estomago revira:
- Fome ou decepção?
Na boca este gosto amargo.
Cuspo.
É o custo das guerras e das copas.
Números fenomenais.
Gastos colossais.
Bilhões fundamentais,
Escoam pelos esgotos da intolerância e da sede de poder
E da vaidade dos desgovernantes.
O mundo gira o globo volteia e se enrosca numa rede de informações.
Mudando o tom encontro outro som.
É o som pop, tirado de tripas esticadas, enroladas, emboladas, grudadas.
Que concerto original.
Atraindo,arrastando,concentrando a atenção de multidões.
Olhos arregalados, vidrados, hipnotizados.
Bocas abertas, escancaradas, quase ouço seus gritos
Preso na foto impressa do jornal.
Brancos, negros, amarelos, vivendo uma integração total.
O mundo unido pela fome que não tem preconceito racial.
Outra pagina, mais um caderno (que alívio) mais ameno.
Futebol, alegria do povo, agenda cultural.
Cinema, tevê, teatro, a vida imita a arte.
Não,viver é uma arte.
Pagina quatro, seis ou oito, já não sei.
Quem se importa?
Procura-se, oferta-se. perde-se.
Tudo se mistura tudo se atura.
É essa a estrutura que faz o jornal.
Mostra as cidades, notícia conflitos.
Fala de sonhos, desejos de felicidade.
Junto e misturado em espaços diagramados
Sangue borrifado, mancha manchetes.
Um valente marginal, um garoto sonhador e o corpo estirado no chão.
Tarja preta escondendo a realidade de anônimos miseráveis,
Noticias da pagina policial.
Maria de tal, uma tal Rosa sem amor, um Jose qualquer.
Presos num apartamento pensando prender num momento de ilusão
Todo o seu desamor.
Outra que virou manchete: queria ser globetis
dançar suas esperanças na televisão.
Enrolada em sonhos aparece no jornal de hoje
Que amanhã já ultrapassado vai virar embrulho ou forrar chão.
O jornal pisado,amassado
velho e rejeitado quando repicado
Com arte e imaginação reaparece reciclado.
Nos barracos tapa buracos, remenda paredes.
Serve até de colchão
Outras vezes de cobertor.
Pregado nas vidraças apaga o sol, envolve a lua.
Cria a penumbra que documenta o amor.
Impressa entre linhas espremidas, inúmeras palavras.
Reprimidas, dão conta de que nem tudo se pode noticiar.
Assistente incógnito, o jornal, no silencio de um quarto
Testemunha o desespero, a solidão, a amargura.
A tortura da espera daquele que se espera vir,
Mas que se sabe não vai chegar.
O jornal e suas mil e uma utilidades.
Aquece os pés de quem não tem
Meia ou sola, tampouco galocha.
Acende e alimenta o fogo, serve de tocha.
Ilumina, transforma-se em calor, mais humano.
Que o complexo desumano que o compõe.
Aos domingos fica mais gordo, pesado, recheado de classificados
Imóveis, móveis, automóveis, tentadoras ofertas consumistas.
Imagens criativas, resultado de sorteios,
Anseios de castelos ruídos.
A vida e seus tormentos, o domingo e seus sacramentos.
Leio,leio, chegando ao fim da edição reflito:
-Será que o amor morreu?!
Ávidamente esquadrinho as ultimas paginas
Vou em busca dos obituários.
Ufff, aqui esta. Quase no fim da publicação.
Ali escondida, num cantinho, no rodapé da ultima pagina,
A noticia que me desmente.
Alarmante, apesar da timidez, tentando fugir ao esquema,
Acreditem ou não, publicou-se um poema.
“Sonhos utópicos para um mundo concreto”.
Começa a chover.
Choram pingos de alegria no papel aberto.
Lavando as ruas e as almas.
Ando pela chuva e nem sinto a rua.
Ando pela rua e nem sinto a chuva.
Protejo a cabeça com um jornal.
Protejo a mente com um poema
Preso num fim de edição.
Desmentindo a certeza
Que andei lendo nas entrelinhas,
De que o amor esta morrendo.
Mas plagiando a canção ...
“... hoje eu percebi que o mundo apena s se esqueceu...”.