MEU BARCO
(Sócrates Di Lima)
Unge minha alma o cálice da saudade,
Derramando sobre mim as lembranças,
Como o óleo unguento que me invade,
Lava-me os sonhos das minhas andanças.
Ah! Que sorvo na tez a palidez d'outrora,
Das cálidas palavras que dantes ouvia,
Transpassaram minha carne sem ir embora,
Como a bebida amarga do fel que não bebia.
E nem por isto choro no dolor infame,
Que inflamaria a alma na tristeza líquida,
E cegaria os olhos no breu que se derrame,
Como chuva n'alma que a faz despida.
Nau perdida sem se queixar,
Cortando o mar sobre águas sólidas,
Loucas vontades em noites mórbidas,
Faz sentir-me assim, perdido em azul mar.
Ai! Que os teus olhos me incendeiam,
No seu olhar distante como um além mundo,
Procuram e não acham o que lhes galardeiam,
Na saudade santa de um amor profundo.
Vai-te meu barco que os sonhos seguem,
Como quem parte sem olhar pra trás,
Sem que a esses sonhos novamente se apeguem,
E chora a saudade que a ausência faz.
Eu....um cancioneiro da saudade navegante,
Volvido nas labaredas do olhar perdido,
Querendo, morrendo, um barco flutuante,
Só e perdido em mar de um sonho outrora vivido.