COVEIRO

Seu moço, esses meus olhos já viram de um tudo.

E, ainda assim, nunca me canso de olhar e cismar.

Já vi gente desviva de todo calibre vir aqui se enterrar.

Minhas mãos calejadas já lidaram com muitas campas.

Tantas, que nem dá mais pra contar.

Já vi rico e vi pobre, gente de bem, plebeu e nobre,

Mulher e menino, ancião e menina moça,

gente bonita e gente feia... Mas, me ouça:

tudo aqui se iguala na mesma vala que estou a cavar.

Seu moço, me escute: tudo o que vive um dia morre.

Feito um rio, o fio da vida também corre.

E a vida é mesmo um rio correndo sem pressa

em direção ao seu mar.

Pois tudo o que tem início, um dia haverá de

a algum termo chegar.

No fim de tudo, há sempre muito choro

e tristeza de quem se desespera.

Mas tenho uma pá de cal e outro de consolo.

Vês? Não abro covas, preparo berços.

Planto sementes de novos recomeços.

Aqui se planta vida nova, talvez flores,

quem sabe sonhos que haverão de renascer noutro lugar.

Na verdade, não sou coveiro.

Sou apenas a testemunha de um ritual de passagem.

Aqui se inaugura no ventre da terra o plantio

de uma outra viagem.

Por isso, entrego à terra uma flor com perfume de espera,

pois a morte é o outono que anuncia o esplendor de uma nova primavera.

José de Castro
Enviado por José de Castro em 20/04/2014
Código do texto: T4776409
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