FOLHA DA MANHÃ

repetiu o velho ritual de ler à mesa

o jornal aberto, largo feito mapa

os óculos tortos, equilibristas

e apenas uma das luzes acesa

o cenho franzido catando a letra distante

os lábios retesados quase exangues

as mãos espalmadas, equidistantes

e a complexa notícia de estranha beleza

poderia ser um pai zeloso, ou amoroso avô

não sei

mas ali assumia a forma de esfingie silenciosa

e não de homem nascido de homem comme il faut

como se tudo se fundisse numa única peça

uma escultura centenária e, talvez, preciosa

atrelada à palavra lida e consumida vorazmente

sequer saboreada mas devorada no afã do isolamento

e temerosa de seu fim, no derradeiro caderno

põe se a ler anúncios e notas e oferecimentos

na esperança de prorrogar sua ausência do inferno.

repetiu o velho ritual de mal dobrar o jornal

e ir dar de comer aos pombos...