COMO MANDAVA O FIGURINO

macia,

sua pele-juventude

atraía homens a todo tempo.

os jovens a cobiçavam,

os adultos até que tentavam,

os mais velhos guardavam admirações,

as crianças

— sempre as crianças —

a chamavam de “tia”

e torciam para, logo logo, tornarem-se adultos

para que ela os visse como jovens também.

mas Lêda guardava-se em casa;

ao shopping, raridade,

só ia mesmo para comprar datas em dias de embrulhar presentes,

afinal de contas, tinha pai, mãe, sobrinhos e um namorado ciumento,

incansável em convites para mais intimidade:

com certeza, pensava, inimagináveis prazeres aquela pele macia lhe daria.

recusava-os imediatamente!

Sonhava casar como mandava o figurino:

vestida de um branco inquestionável,

mesmo que não tivesse provado

ainda, segundo as amigas,

a melhor fatia do bolo.

Enquanto isso, excitava

a imaginação dos seus alunos da escola,

a alucinação dos companheiros de idade,

o desejo de quem poderia estar por perto,

o carinho incestuoso dos beijos murchos.

Quietíssima,

ouvia a Billie, a Sarah, o Duke, o Tom, a Ella, a Lena, a Elis

nos vinis de voz macia,

assim como eram as do Vinícius, do Drummond, da Clarisse, da Cecília,

exceto a do João de palavra afiada,

homônimo do quase noivo,

que, num dia qualquer, quis possui-la à força.

Em mil novecentos e noventa e quatro,

sempre com a mesma pele macia,

num primeiro de maio,

Lêda foi velada por um pai amantíssimo, por uma mãe inconformada,

por um monte de alunos, por novos sobrinhos,

por tios saudosos, babadores de gravatas,

por João, o ex-noivo, agora casado e arrependido.

Lêda morrera virgem,

só de uma coisa se arrependera não ter feito em vida:

ter assistido a primeira montagem, musicada por Chico Buarque,

da peça “Morte e Vida Severina”.