JOÃO VELHO BAIANO
tem uma porrada de idade,
mas ninguém sabe, ao certo,
o tempo que mora em João Velho.
Filho do ninguém viu ou sabe,
João Velho, provavelmente de Maragogipe,
veio dar seu primeiro raiar para a manhã
na Rampa do Mercado, às sete do dia,
numa procissão de saveiros ao mar:
bem-vindo, navegante-Salvador!
Cresceu comendo pão dormido,
bebendo café sem nadinha de leite:
— Morrerá preto, negro-betume!,
e, em meio a tantos iguais.
(sacudidela de ombros,
todo despreocupado)
Vendeu acaçás no Terreiro de Jesus, Misericórdia, São Pedro,
Largo Dois de Julho, pontos, puteiros;
como qualquer menino-de-rua-ator, foi o Saci da Hora da Criança
nas reinações de Adroaldo Ribeiro Costa;
brincou de tentar ser cantor, mas foi gongado pelo diabinho da Spinelli
no programa “J. & J. Comandam o Espetáculo”;
especialista em rabo-de-arraia, aprendeu na Academia do Mestre Bimba
como não manchar roupa branca na d’Angola Camará.
Perseguido pelas papa-hóstias e pelo arcebispo,
por ser um exímio tocador de atabaques de couro de cabra,
João tornou-se ateu, apesar do número inexato das igrejas da Bahia,
percussionista e ogã, baticumzou Santos e Deuses!...
fez tantas flhas-de-santo,
fez tantos filhos na rua,
fez tantos filhos de Deus
re(-)voltarem-se para a fé:
nas praias, nos puteiros, nos saveiros, nos carnavais...
sempre de azul e branco,
na paz dos Filhos de Gandhi,
fez filho para outros mares
sem jamais ter saído de São-Salvador das baías!...
Quantos anos há em João Velho guardado?
Seu pai de saveiro não teve o menor cuidado de registrá-lo num cartório,
as bocas da rua diziam que ele o chamava de “filho do mar”;
todas as negras-madrinhas, vendedoras de acarajé,
entregaram sua alma pura a Oxalá, pai dos Orixás;
só João Velho guardou a receita dos seus acaçás!
Quantos anos existem vividos em João Velho? .
Como em todo negro,
há raros cabelos brancos
e pele quase desenrugada.
Quantos anos moram em João Velho?
A Bahia inteira pergunta,
mas ninguém, com certeza, sabe
a idade do pai-preto-baiano,
que responde, manso, quando isto indagam:
— Uma porrada de tempo, meu filho!...