OS ÚLTIMOS PRIMEIROS
Conheci Deus.
Estaria louco?
Era Deus, sim,
— há pouco —
com dedos paz-amor, insistindo sono às pálpebras,
pressionando-as para o sul, querendo-as fechar.
Com Ele falei o mais humanamente, enquanto pude;
em fração de segundos, tornei-me Dele íntimo:
desenvergonhamo-nos
— Um ao Outro —
nossos segredos.
Deixou-me escapar
— quase sem querer —
que jamais fora brasileiro,
mas tem uma vontade louca de passar férias na Bahia.
(os curiosos, espantados, descerram a janela na minha cara sã)
Há pouco, conheci Deus!
(os amigos lúcidos ainda dizem que pirei de vez)
Falou-me das Suas angustias,
enquanto era eu quem deveria estar deitado no divã
falando mais que a matraca da quarta-feira-de-cinzas.
Deixou-me escapar
— sem nenhum estereótipo —
que fora Um sem-lugar, Um sem-grana, Um sem-paciência, Um sem-medo
e Um sem-espelho
— principalmente —
só para não constatar a desgraça das semelhanças.
Diverti-me muito com Deus,
— em poucos segundos —
até sentir-me, confesso, necessitado,
tornar-me Dele analista, vigia e confessor.
Nos breves poucos segundos,
— talvez os últimos —
saímos para falar a última bobagem dita entre goles de chope;
até que um amigo
— um daqueles preocupadíssimos com meu surto —
com a língua tropeçando no excesso álcool e na falta dos óculos,
leu duas laudas e meia de páginas
provocando cochilos aos que não Nos viam;
enquanto Dele me despedia ao som de um blues-azul,
em noite de puro jazz.
Agora, menos cansado,
só, então, um pouco mais eterno,
descobri porquê Deus pressionou minhas pálpebras:
Ele tentou fecha-las, sem querer.