Traços e letras
Não sou poeta.
Não ouso falar daquilo que os amantes sentem, daquilo que os sentidos não respondem, que as palavras não dizem.
Não me julgo entender da vida, da complexidade do existir e da tortura de estarmos presos em nós mesmos.
Não uso versos, redondilhas ou simetrias.
Escrevo.
Escrevo asneiras, devaneios, loucuras.
Saio de mim por alguns segundos e, nessa fuga, talvez seja o momento que mais me aproximo do que realmente sou.
É não sendo que sou.
Escrevo.
Jogo palavras, rabisco no contorno dos meus sentimentos e sentidos.
Vejo, escuto, observo e sinto.
As palavras me atingem, me doem, me machucam. Os não-ditos também.
Escrevo. Escrevo mesmo nunca conseguindo escrever o que quero, o que me intenciona ao pegar o lápis e o papel.
Escrevo sabendo que a última linha destoará da primeira, que meus pensamentos não serão contínuos, pois o sentir me atravessa em minha escrita.
Provoco-me, interrogo-me. Nutro-me de algo que talvez nunca importe.
E escrevo: não sou poeta.