CREPÚSCULO

Quando ela viu no espelho o seu rosto enegrecido

Olhou em volta e reconheceu cada centímetro das paredes que a prendiam

Notou que nada havia ali que não tivesse uma marca sua, um jeito seu:

Um sorriso largado, um olhar mal interpretado, fiapos de vozes, luz e sombras

Tudo era igual. Ela não.

Percebeu que cada marca da sua face pálida tinha uma história

Gritos, sussurros, tensões e tesão.

Notou arrulhos de amor em cada canto do recinto e deixou uma lágrima breve

Saudade leve, escorrer preguiçosa pelos sulcos da pele flácida.

Ouviu imprecações, lembrou-se de tempestades, intempéries, momentos célebres

E céleres. Sorriu alto com as piadas da infância, tateou o ar, qual dança…

Ficou tonta, aérea.

Dirigiu-se até a janela. Olhou o céu, os morros, árvores

Abriu os braços como num abraço cósmico

Dirigiu-se às estrelas que começavam a brotar no espaço

E compreendeu que cada segundo havia valido a pena.