O alvoroço dos poetas*

Luciana Carrero

A mim que nada tenho neste mundo

Que a fome corrói e ao animo abate

Resta procurar um lugar qualquer

Para despencar meu corpo cansado

Quem sabe, uma cama de folhas secas

Trapos mijados de outros deserdados

Ou até restos de colchões de espuma

Deixados sob a marquise de um Banco

Durmo nas folhas não para alarmar

Formigas, carrapatos, na calçada

Lá na porta bancária não estou

para escandalizar capitalistas

Espuma molhada, trapos mijados

São apenas a contingência única

Das migalhas que a vida me deixou

Só resta sobre eles despencar

Certa vez despenquei nos braços frios

De uma estátua de lata zinabrada

Nela dormi, com meu fedor de cola

Foi isso, apenas isso, e nada mais

Passou alguém com seu smartfone

E bateu esta foto desgraçada

Não me deu um pão, mas usou a imagem

Para chamar atenção, na Internet

Disseram que esta lata era um poeta

Sentado numa praça da cidade

E os poetas choraram de emoção

Vendo Poesia nesta cena triste

Sabe o que me deram, os sonhadores?

- Muitos poemas, em rimados versos

Mas não estava lhes pedindo nada

Me escorei pra morrer na fria lata!

* Os poetas alvoroçados pediram para compartilhar ou escrever um poema. Escrevi o que realmente senti. Não vai ajudar aos miseráveis. Escrever um poema lírico sobre isto, é o mesmo que assumir posição de Nero, tocando lira no incêndio de Roma. Resultou nesta visão realista, nua e crua. (A foto que inspirou o poema está em www.lucianacarrero.blogspot.com.br