LIVRE POÉTICA
Então
Joga-se uma palavra no ar
E o verso voa livre
Como um pássaro a cantar
Ou qual um peixe no fundo mar
A nadar
Ou como os grãos do feijão do João a boiar
N’água do alguidar
Quem sabe no lago a rã
O peixe-boi
Bandeira em febre terçã
“Não foi!” – “Foi” – “Não foi!”
A pedra no caminho
De Drummond, o espinho
Na garganta, o resíduo
Que, “de tudo ficou um pouco”
Do asco da rima de Gregório barroco
Será do som o tic-tac
De um soneto de Bilac
Ou, no céu do mundo novo
Um urubu se diz condor na praça do povo
Vai-se o verso de asas soltas
Dando voltas
Como um vulcão em erupção
E o verso confunde os Alpes
Com o Morro Cara de Cão
Verso livre
Difere d’arma sem calibre
Que não afetou Victor Hugo
Nem a Camões de Lisboa
Verso livre de Pessoa
Cecília amando Florbela
Não resistindo ao soneto
Juntou quarteto e terceto
Só uma burrice daquela
Compara Deus com sabugo.
Mesmo que pra voar livre se lute
Quem sabe não discute
A medida do verso é mais acima
É tronco da mesma raiz
Inatingível
Por quem não sabe o que diz.
______
Por mais que os modernistas atacassem os românticos e o estilo clássico parnasiano, os verdadeiros poetas não resistiram ao soneto:
SONETO ANTIGO
Cecília Meireles
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
SONETO
Fernando Pessoa
Na escrita, na voz ou na aparência
Jamais nos revelamos. Nosso ser
Nem palavra ou semblante o vão dizer.
De nós a alma longe em permanência.
Por mais que a vontade ao pensar dermos
De, por artes, sermos revelados,
Os corações se quedam encerrados
E no que nos mostramos, escondemos.
Abismo de alma a alma intransponível
Não há pensar ou arte que o desfaça;
Distantes de nós mesmos, impossível
Nosso ser ao pensamento revelar.
Sonhos de nós, a alma em clarões passa
E um noutro se vê em seu sonhar.
_______
Então
Joga-se uma palavra no ar
E o verso voa livre
Como um pássaro a cantar
Ou qual um peixe no fundo mar
A nadar
Ou como os grãos do feijão do João a boiar
N’água do alguidar
Quem sabe no lago a rã
O peixe-boi
Bandeira em febre terçã
“Não foi!” – “Foi” – “Não foi!”
A pedra no caminho
De Drummond, o espinho
Na garganta, o resíduo
Que, “de tudo ficou um pouco”
Do asco da rima de Gregório barroco
Será do som o tic-tac
De um soneto de Bilac
Ou, no céu do mundo novo
Um urubu se diz condor na praça do povo
Vai-se o verso de asas soltas
Dando voltas
Como um vulcão em erupção
E o verso confunde os Alpes
Com o Morro Cara de Cão
Verso livre
Difere d’arma sem calibre
Que não afetou Victor Hugo
Nem a Camões de Lisboa
Verso livre de Pessoa
Cecília amando Florbela
Não resistindo ao soneto
Juntou quarteto e terceto
Só uma burrice daquela
Compara Deus com sabugo.
Mesmo que pra voar livre se lute
Quem sabe não discute
A medida do verso é mais acima
É tronco da mesma raiz
Inatingível
Por quem não sabe o que diz.
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Por mais que os modernistas atacassem os românticos e o estilo clássico parnasiano, os verdadeiros poetas não resistiram ao soneto:
SONETO ANTIGO
Cecília Meireles
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
SONETO
Fernando Pessoa
Na escrita, na voz ou na aparência
Jamais nos revelamos. Nosso ser
Nem palavra ou semblante o vão dizer.
De nós a alma longe em permanência.
Por mais que a vontade ao pensar dermos
De, por artes, sermos revelados,
Os corações se quedam encerrados
E no que nos mostramos, escondemos.
Abismo de alma a alma intransponível
Não há pensar ou arte que o desfaça;
Distantes de nós mesmos, impossível
Nosso ser ao pensamento revelar.
Sonhos de nós, a alma em clarões passa
E um noutro se vê em seu sonhar.
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