O andarilho
I
Que formas esta noite me revela?
Que sonhos eu, rapaz, trago no seio?
Sou como destemida e errante vela
sumindo no oceano, sem receio.
Invado o espaço, livro-me da cela,
sou aquele Convidado que aqui veio
para cear no ritual da bela
viagem cuja passagem eu sou o meio.
Meus passos sapateiam é na curva,
onde a luz toda ainda mais cintila,
e deitam sob os respingos da chuva,
chuva de astros que a terra não aniquila,
e fogem, e vão além da lama turva,
e encontram a estrada em sua alma intranqüila...
II
Estou cego, mas amplio minha visão.
Estou surdo, mas ouço o próprio silêncio.
Minha carne pesa menos do que um grão,
minha alma traz em si um abismo pênsil.
Sou um bandoleiro ébrio na amplidão,
tangendo um alaúde que me vence, o
poente se abre em rubra extrema-unção,
e, se o eterno é um dado bruto, pense-o!
Sou uma criança lunar cheia de ardor,
reminiscências, e a luz do porvir
banha meus passos de eterno viajor,
e eu caminho sonhando, a sorrir,
e se sorrio não sei se é por dor,
ou por saber nos meus passos florir.