Alguns sonetos pensativos
I
A multidão eletrizada e louca
segue os caminhos, as ruas sem dono.
Há um desejo em cada ávida boca
de beber e de ser todo o oceano.
Cada passo na distância se engrandece
e o ser continua a sua procura,
sem que essa procura jamais cesse,
alimentada além pela fissura.
O tempo tremula, convidativo,
o azul dá uma idéia de mais fundo,
revela em si o ápice do vivo.
Circula na seiva, a cada segundo,
um ímpeto que lança o ser (motivo?)
à sua própria origem no mais fundo.
II
A noite tem janelas e amplidões,
tem passos ébrios, fortes, impassíveis.
É um reino de estúpidas diversões,
um circo de acrobacias falíveis.
Tem antenas atentas em seus plantões
que captam poemas taquicardíveis.
Os bares guardam bêbados foliões
e leões de corações comestíveis.
Eu bebo à noite e a este vão momento,
na minha embarcação subjetiva
que naufraga em árduo questionamento.
Saúdo aos que erguem o copo e bradam um viva,
depois mergulham em um negro pensamento,
reféns da existência sempre à deriva.
III
A tarde arrasta nuvens colossais
sobre a cidade em pedra desenhada.
A imensidão do tempo cria o nada,
diante do qual a alma pede mais.
Espaço de solitude imantada,
os deuses têm pavores ancestrais
que ardem na distância amplificada,
por onde fogem astros marginais.
Na derradeira e silente quietude
encontra-se a metade apetecida,
a parte que procura a completude.
Minha alma tem uma espécie de guarida
de onde fujo (errar é uma virtude)
de uma vida pra outra vida e outra vida...
IV
Porque Heidegger disse que a metafísica é essencialmente esquecimento do ser
Erro na noite branca e esquiva,
na vida sofista e relapsa.
Contra o vento minha saliva
e um assovio que disfarça.
Quem me saudará com um “viva”?
Talvez tudo seja uma farsa,
mas na chama que arde, votiva,
há uma luz cheia de graça.
Eu desejo ver essa luz
que no mistério se engrandece
e que na trilha me seduz,
que me diminui e me acresce
e que pela mão me conduz
ao ser que de si se esquece.