Duas Obras Cênicas
I
Subindo a Avenida Afonso Pena
sou apenas mais um personagem humano
imerso no quadro cotidiano,
no exílio ao qual o Tempo nos condena.
Como um típico ator godardiano
incorporo-me todo à absurda cena
de ser gente e represento sem pena
este circo nouvellevaguiano.
Sigo o caminho em meio a outros atores,
a avenida se abre em desatinos,
buzinas e ao espetáculo das cores.
A tarde se vai devagar, meninos
gritam em alarido, e nós, impostores,
dublamos almas, roubamos destinos.
II
No “ser, não ser” da nossa existência
representamos o conveniente.
Somos “sombra fútil chamada gente”,
forjando uma pictórica essência.
O parecer é quase uma ciência
e há por aí muito competente
que ilude a si e a toda gente
fingindo sua hipócrita excelência.
A sociedade é uma mascarada,
pra usar um termo schopenhauriano,
em que toda postura é ensaiada.
E no final a máscara do humano
confunde-se com a peça encenada
e torna-se atriz do seu real engano.