O Enterro do Samba da Escola

Ontem, seis horas da noite,
eu chegava, guardava a sacola,
ligava a vitrola,
ouvia o samba da escola,
arrepiava-me, machucava-me,
com saudade do Homem.

Sabe lá, Mulato,
o que é a falta, a tara?
o que é envermelhar a cara
ao ver um casal se amando?

Eu sei falar sozinha,
sentir seu indicador, em meus sonhos,
a percorrer a minha espinha,
ouvir sua voz violenta,
chamar-me de desgraça.

Sabe, meu Homem,
eu tomei sua cachaça,
eu velei um velho retrato seu.
Suas camisas estão costuradas,
suas revistas de mulheres peladas,
em sua gaveta estão arrumadas.

Hoje, seis horas da noite,
preciso muito ver você.
Quero que venha até ao barraco,
cavar um fundo buraco
e levar o meu corpo do quarto.

Depois, buscar meu avental na cozinha,
para cobrir-me, como fazia em noite fria,
e enterrar esta enorme carga de solidão,
porque eu não consigo desvestir
a vida sua da vida minha...

 
Dado Corrêa
Enviado por Dado Corrêa em 15/02/2014
Reeditado em 04/04/2014
Código do texto: T4692138
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