MEU AMIGO DORME- Poema de 1986
NA MANHÃ DE 15 DE FEVEREIRO DE 2014
A um grande amigo, que sempre o será, apesar dos mundos todos virados, ao longo de duas décadas e meia virados todos, irremediavelmente, pelo avesso.
Meu amigo dorme
na noite pura.
Animaizinhos nascendo na floresta
flores de lótus abrindo-se em silêncio
seio materno
brancura
Via Láctea
estrelas de matizes delicados.
Meu amigo dorme.
Desde sonho não sei
mais que um tremor levíssimo de pálpebras.
Sinto a noite se abrindo devagar
e o canto dos mundos indizíveis
acalentando a criança pequenina
flor toda aberta ao pólen das estrelas.
E enquanto dorme
o mundo silencia
seus cânticos de guerra
suas horas pesadas
as árvores sangrando
os pássaros funestos
as palavras que não sabem mais nada
do mundo
de si mesmas.
Meu amigo dorme
e enquanto dorme
sua vida se abre
a um relógio sem pêndulo.
As palavras são cores
as estrelas, ponteiros
por onde flui seu pensamento.
E eu, toda nova
dessa música que brilha
em seus cabelos
- fruto maduro ainda úmido
do parto das estrelas -
fecho também os olhos
e ao útero da noite
confio as minhas asas.
No livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989. Poema escrito em 1986.
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Tão belo comentário-poema, que o coloco como interação.Muito obrigada, Cassio.
Enquanto o amigo dorme
a poesia vem velar seu sono...
é a amiga poeta tricotando versos
que faz da memória seu trono.
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