O Coração e o Tempo
Um dia
o coração quis falar com o tempo,
quis apagar o ressentimento,
adiantar um pouco de leveza.
Mas o tempo
não queria conversa.
Disse: – Não, não venha com essa
que é na pressa que vou devagar.
O coração
já errando o compasso
num batuque escasso
hesitou em esperar.
Pois o tempo
é negligencioso,
é cruel e preguiçoso.
Até parece gostar.
O coração
Sem saber o que fazer
decidiu se esconder,
quis até se transplantar.
E o tempo
segurando os ponteiros,
até riu do berreiro
a lhe chantagiar.
- Tempo, meu tempo, não passe lento
que o presente é meu tormento e só quer me torturar.
- Eu faço tudo, aceito a paz em um segundo,
ou rasgo planos pro futuro se o passado retornar.
- Mas coração pare de tanto fricote,
quando tu batias forte, me querias devagar.
- Te faço vivo, dou histórias como abrigo,
tu só vês o teu umbigo e ainda quer vir me culpar.
- Eu te alimento e não tem nem cabimento
jogares teu sofrimento pro meu jogo de azar.
- Tu vens com essa, controlar a minha pressa,
só que quando tudo é festa tu quer nem me ver passar.
O coração
não quis mais bater de frente,
fez quem cala e não consente,
queria sim negociar.
Sábio o tempo
que conquista sorrateiro
terreno feito grileiro,
nem precisa se esforçar.
E o coração
que ficou na sua ilha,
ampulheta de argila,
aceitou assim jogar.
Esquece o tempo
e viaja o mundo inteiro,
cessando o seu berreiro
para enfim se batucar.