ANDORINHA (do livro poema) - Parte 5
ANDORINHA (do livro poema)
=XIII=
O internato
Quilômetros andados hei enfim,
Frente a uma praça com nome de “santo”.
Prédio antigo, estilo colonial,
Com um “grande” portão de ferro ao lado.
O “tio” o faz entrar com cerimônia,
Com gestos contidos e regulados...
Coloca as mãos no ajeito dos cabelos,
Acerta o “porte” de pai ensaiado...
-Como tem passado dona Edith?
Promessa é dívida... Eis o menino!
Pouco acanhado, mas inteligente.
Com um detalhe que sei que lhe agrada:
Nelsinho também ama matemática.
Na verdade, (já aparte) segredando...
Filho de mãe viúva precisada,
Cujo marido foi contra parente
De um primo que morava em Jequié...
A primeira vez que o vi, encantei-me.
Como é sabido, adoro “pedra bruta”,
Perfeita, pronta pra ser lapidada...
Com passar do tempo compreenderá
O porquê desse meu entusiasmo!
Deixo-o, agora aos seus cuidados...
Entrego-o em suas mãos abençoadas.
Qualquer “coisa”, aja como se aqui eu estivesse!
Fique à vontade...
Ih! Quase me esqueço
Professora Edith... Eis aqui “o cheque!”
=XIV=
O DORMITÓRIO
Tudo parece manso, bem quieto...
No alto, a lâmpada azulada ameniza
A escuridão que invade todo o quarto.
Deitado Nelsinho olha fixo o teto
Que faz chover lembranças revividas,
Coletânea solta de retratos
Que a impressão dos olhos visualiza.
Os desenhos do teto se enchem de vida.
Misturam-se, separam-se, estremecem.
Linguagem que pronto, ninguém conhece,
Pois não vêm nas cores, nas entrelinhas,
As imagens saudosas que florescem...
Primeiro, o rio a borbulhar segredos,
Vira “serpente”, sedenta de mar.
Depois, tresloucado com o seu medo,
Despoja-se. Doa-se à “marear”...
Segundo, a estrada cansativa e longa,
Página de cultura e saber...
Cada ponto, uma mania, um sotaque,
Um jeito diferente de viver.
Tudo roda, se move, nunca para;
Completa a verdade do rodopio,
Que surpreende o próprio pensamento
Do equilibrista preso por um fio...
A saudade se guarda na gaveta
Misturada com roupas que não se usa,
Perde a serventia que paramenta,
Evita os motivos de quem abusa!
= XV =
“CABEÇA DE NEGO”
Os maiores dormem em outro quarto
Distantes dos “pirralhos” indefesos
Que às vezes viram “sacos de pancadas”
Quando contrariam o “combinado”
Estabelecido desde o começo.
Poderia tudo ficar bem quieto,
Se a tosse do Dani, não despertasse
O Celso e o Odilon que profundamente
Dormiam, para o descanso de todos.
Poderia tudo ter ficado assim...
Mas, sem dúvida essa era a melhor hora
Pra que a extravagante peraltice
Do Odilon mandasse o triste ir embora...
E assim, “o dito transformou-se em fato...”.
Pois de repente, o artefato explodiu:
No anoitecido pátio do internato..
= XVI =
OS TRÊS AMIGOS
Odilon, Dani, Celso e mais Nelsinho,
Tornaram-se amigos inseparáveis...
Não eram os colegas desejados,
Principalmente por dona Edith,
Que desde o primeiro dia que o viu
Ficou tomada de amores por ele...
Afinal, um sobrinho do “Seu José”.
Um baiano “respeitoso”, finíssimo,
Indubitavelmente generoso
Que a fazia lembrar do “tio Hermes”,
Igualmente respeitado em Salvador
E por todo o recôncavo o baiano...
Cacheiro viajante de “mão cheia!”
Por um instante lhe pareceu vê-lo
Ostentando como sempre um Charuto,
E vestindo o impecável terno branco
Nas andanças pela Avenida Sete...
Cumprimentado e cumprimentando
A maioria cerimoniosa
Que o saudava retirando o chapéu!
......................................................
Portanto era necessário agir!
Era imperioso tirar Nelsinho
De perto daqueles outros meninos!
Impedir que fosse influenciado
Por aqueles de má reputação!
Mas como fazer para separá-los
Sem que isso cause constrangimento...?
Como fazer com que não se juntem
Sem ferir o sonho de suas idades...?
É tão difícil, quanto necessário
Impor limites quando o nada é tudo.
Podar vestígio, tomar cuidado
Ao circuncidar o real do sonho?
- Educar é sempre muito difícil!
=XVII=
O “FURTO”
De repente, um homem de meia-idade,
Gorducho, olhos claros, bem aflito,
Entra desesperado pelo internato,
Pálido a procurar por dona Edith.
-Senhora, fui furtado em um relógio
Dentro do seu estabelecimento!
Impossível! –replicou dona Edith!
-O senhor só pode estar enganado!
É inconcebível pensar que tal fato
Possa ter ocorrido no Internato!
- Infelizmente tenho esta certeza,
Pois em nenhum outro lugar estive.
Foi aqui, certamente, não tenho dúvida,
Que aconteceu o furto que me aflige...
O relógio jamais saiu da caixa
Que além de estojo era também vitrine...
Lembro-me, no julgo da distração,
Do semblante maroto de um menino
Que fixamente olhava para caixa...
Tenho certeza do que estou dizendo.
Afirmo sem nenhum constrangimento,
Se não fui eu, nem tão pouco a senhora,
(Perdõe-me!)
É claro...Foi o menino dona Edith!
Foi o menino!...
(Ronaldo Trigueiros Lima)
(Continua)