ANDORINHA (Livro-poema) Parte 4
ANDORINHA (Livro-poema) Parte 4
=VIII=
A morte do jipe
Serrinha, Feira de Santana, Jequié:
Cidades que bem sei...
Nomes que bem me lembro.
Placas gravadas que passam
Em cada pouso estendido,
Marcam o curso da estrada,
Quilômetros que são vencidos.
O rio das Contas surge belo a vista,
Delimitando com Jequitinhonha
Pertences de Vitória da Conquista.
Nesta altitude, aqui, o frio é muito...
Já é noite, a Bahia não cabe mais...
Na tona, o engasgo troca a saudade pelas “Gerais!”
Vem Teófilo, que é Otoni:
Muito depois de Padre Paraíso.
O “jipe” já se arrasta em seu cansaço:
Fica sem força, sem velocidade...
Fica ao sol, sem vento... Fica sem passo;
Entregue as intempéries da estrada,
Pronto a virar carcaça do acabado.
=Ix=
O ônibus
De “carona”, chega-se a Valadares...
A tempo de “pegar” no último horário
O ônibus pro Rio de Janeiro.
Tem conforto, poltrona que espreguiça,
“Água oferecida”, até sanitário.
Melhor certamente que outros “banheiros”
Que a estrada nos obriga conhecer.
Entre pausas pedidas e paradas,
Tem umbu, mangaba, fruta de conde...
Cristais azuis, vermelhos, amarelos...
Artesanatos rústicos, singelos,
Todos a gosto e sabor do freguês.
Vão surgindo povoados, cidades
Como Caratinga iluminada
-Terra de palmeiras-
Que guarda o antigo caminho do trem...
=X=
Nana
“O mundo parou”
Quando Nana morreu.
O dia estava azul.
Mais azul que os olhos de Nana.
Mesmo assim, havia uma tristeza cinza
Naquela tarde longa de sábado que se arrastava
Pelas calçadas
Invadindo soleiras e janelas.
Sombra que não pede licença, que vira voz
Embargada e soturna.
(- Eu não disse: Criança de sete meses não se cria)!
Nana era tão clara, frágil, linda...
Parecia uma flor delicada
A “arrumar” suas pétalas de manhãs cheirosas...
Um “vidro”
Pronto a estilhaçar-se
Ao sabor dos carinhos.
Parecia um anjo louro
Protegido dos percalços
Por trás da vidraça da janela...
Não tinha amigos...
(Que eu saiba).
Não tinha nada,
Alem da fita “bem posta”
(Acima dos cabelos),
Tão azul como seus olhos.
Lá vai Nana
Em seu caixão azul,
-Como seus olhos-
Toda de branco
Da cor do dia
Que tanto queria
Ouvir seu canto...
O doce encanto
Que emudeceu.
Lá vai Nana
Pro Campo Santo.
Sem “bronquite”,
Sem cansaço,
Sem receios e cautelas,
Sem o tudo que sofreu...
“Soltar” asas tementes,
Ser outra vez andorinha,
Voar sobre pedras luzidias,
Ser somente azul!
.....................................................
Nelsinho correu pro seu canto
Pra se esconder à sombra
Do pranto que lhe doía.
E se viu embaraçado
Com o borbulho que se ouvia...
O borbulho que vinha das águas:
Das águas límpidas do rio.
= XI =
Fim de estrada
Corre o ônibus pela estrada
Sob a noite luzidia...
Corre lua iluminada
Como nunca se viu igual!
Do alto, de onde te encontras
Tudo pode... Tudo vê...
Tens o medo que nos afronta
Tens o mar que ele sempre quis ver!
Corre lua iluminada
A mesma lá de “Serrinha”
A clarear madrugadas
“Tomar banhos de rio...”
Nas “fraldas da Mantiqueira”
Corre estrada, corre, corre...
Muriaé se insinua
Ao herdar nome de rio
Que corre “sobranceiro”
Pra “morrer no Paraíba”
Em Campos dos Goytacazes
No estado do Rio de janeiro.
..................................................
Depois, Além Paraíba,
Meu adeus a Minas Gerais.
Em seguida, Três Rios;
Petrópolis imperial...
Descida da “serra” dos Órgãos,
Rio de Janeiro afinal!
=XII=
Ao ver o mar...
Agora que ele te viu imenso e lindo,
Não pode conter seu encantamento
Pelo peso das palavras poucas...
Porque, por mais que esprema, o pensamento
Perde-se na insignificância oca
Dos sonhos todos que foram surgindo...
Como te descrever pros meus amigos?
(Disse ele deslumbrado.)
Dizer de ti, pros que não te conhecem?
Falar dos “bordados que as ondas tecem”
Na areia alva da praia em que me abrigo?
Como explicar as tuas peripécias
Quando o “Sudoeste” fala contigo?
E as pedras do cais que “sangram” espumas,
“Fingem não entender” o que acontece?
Lembro-me da Mãe,
(Continuou o menino)
Em seu dizer singelo...
Ao falar do mar como se o conhecesse!
Dizer coisas com precisão real,
Como se as palavras lhe pertencesse!
Digo agora,
(Disse a si mesmo, estupefato...)
Como um rio que vai predestinado
Para buscar o fluxo das procuras...
Do que parece fim sem ser verdade,
Há de nascer pra uma nova aventura:
Posto que é vida, que se transfigura!
(Ronaldo Trigueiros Lima)
(Continua)