Eu sou...
 
O caminho da roça,
O raiar do lindo dia,
A chuva que molha este chão,
A casa de taipa, a coberta de palha...
E de piso batido...
Ainda sou rede, o lençol velhinho e a dormida...
A porta arriada fechada com trave,
Tramela e ferrolho...
O terreiro limpo ao amanhecer o dia
A poça de lama na beira da estrada.
Passantes conhecidos e apressados...
 
Eu sou...
 
Feijão e a rapadura,
O toicinho de porco, a galinha caipira.
A tripa assada do pirão de leite,
O jerimum e a batata doce com leite,
A macaxeira, a farinha, a goma e a tapioca,
O milho verde assado ou cozido,
O pão de milho, o mungunzá,
A pamonha e a canjica.
 
Eu sou...
 
A cangalha, os arreios no alpendre,
A cela, o coxinho e as esporas,
A carroça de boi, o cavalo, o jumento,
A égua parida, a vaca e a cabra leiteira,
O boi brabo e mascarado
O bode pai de chiqueiro,
O barrão capado para engorda
A galinha choca no ninho e o galo de terreiro...
O boi perdido na mata, a caatinga,
O cardeiro, a urtica, o cansanção e o marmeleiro...
A velha raposa noturna como caboré e o rasga mortalha…
 
Eu sou...
 
O bicho rastejante... A cobra cascavel,
A jararaca, coral verdadeira e a falsa...
O tatu, o peba, o tejo e o camaleão,
A lebre, o preá a caça do mato...
A formiga de roça, a vespa e o cavalo do cão!
Trinca ferro, bem-te-vi,
A rolinha e a juriti
A jandaia, o urubu e a nambu,
O pássaro carão... A avoante, ave de arribação,
O anum preto e branco, ainda sou o azulão.
 
Eu sou...
 
A armadilha e o alçapão...
A graúna preta na carnaubeira,
O sabiá da laranjeira,
O canário da cumeeira,
O carcará comendo pinto,
A cobra engolindo caçote,
O bode furando a cerca,
Cachorro magro chamado de tubarão.
 
Eu sou...
 
A lamparina, candeeiro e lampião a querosene,
Sou fogueira de São João,
Cantiga de roda em volta da fogueira
Contador de prosa, E de  historia de Trancoso
E adivinhação...
Sou o violeiro, o embolador e o repentista...
Sou o artista, o calungueiro...
Para quem não sabe... O bonequeiro.
 
Eu sou...
 
Noite de luar do meu sertão,
A desbulha de milho e de feijão
A casa da farinha e do beiju
A pinga, a cachaça e o limão...
O bêbado no rumo de casa,
A mulher e os filhos na beira do fogão...
 
Eu sou...
 
Canto, prosa, rima e poesia.
O fogão de lenha, as panelas de barro.
O leite mugido, O café torado e passado na hora
O pilão e a paçoca de carne seca no sol
 
Eu sou...
 
A carnaubeira, o pó e a palha,
O palheiro, o batido, a prensa,
E a cera da carnaúba...
A fruta e a oiticica,
A laranja e a laranjeira
O espinho e cardeiro
O velame e aroeira...
Pau branco e pau pereira
 
Eu sou
 
A seriguela, cajarana, a graviola,
O cajueiro, a manga doce,
O banho de rio e da lagoa
A vara e o anzol, o peixe assado ou cozido,
O pirão escaldado... A rede e a dormida...
 
Eu sou...
 
A roupa no varal e no quarador,
O ferro a brasa de passar,
O pote de água fria,
A quartinha de água fresca,
A caneca de alumino,
O bule de café quente,
A xícara sem asa...
Pelando a mão da gente.
 
Eu sou...
 
A goteira da casa,
Biqueira no oitão de baixo e de cima...
O telhado quebrado, a parede rachada,
O quarto, a cozinha a sala, a dispensa,
E a velha latrina fora da casa.
Descalço e de pé no chão...
Esta é minha terra,  este é meu torrão...
 
Eu sou... O que você chama de saudades.
                         Eu simplesmente sou as saudades...
 
Gel... O Poetinha Filho de Russas...
Russas, 18 de Janeiro de 2014.

 
Francisco Rangel
Enviado por Francisco Rangel em 19/01/2014
Reeditado em 25/02/2014
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