ANDORINHA (Livro-poema) Parte 3
ANDORINHA
( Livro-poema) Parte 3.
=V=
De volta a estrada...
A paisagem corre
Na direção oposta ao vento,
Para carícia do rosto
Alisar dos cabelos.
Abrem-se estampas
Que correm mais devagar
Conforme a distância entre o menino e o horizonte...
O jipe sacoleja sobre a estrada péssima
Que parece que nunca termina.
Mas, confesso que não ousei
Mergulhar profundo
No todo que ele pensava
Ou, no tudo que ele sentia...
Naquele momento de desconforto,
Apenas observo ansioso,
Como narrador silente,
Os olhos perdidos, divididos,
Entre o que foi, e o que estar por vir!
Apenas, observo intrigado,
Aquele momento fugaz
Em que a velocidade desajeitada,
Esconde a pauta do pensamento
Onde o instinto prevalece.
-Esse menino!...
Saímos de Feira de Santana...
Entramos na estrada federal
De crateras maldizentes,
Entre Feira e Salvador.
Aquela que assusta, infelizmente,
Por seus muitos acidentes…
Portanto, menino, abra seus olhos!
Muita poeira, pouco zelo...
Que São Cristóvão nos guie
E nenhum mal aconteça!
(Ronaldo Trigueiros Lima)
=VI=
A pipa azul
Enquanto o “jipe” sacoleja;
Contorna crateras,
O sono desce
Pipocando “flash”...
O homem senta
Na soleira da porta,
“Futuca” os dentes
Com farpa de madeira...
A rapariga debruça-se na janela
Para olhar a vida
Através da seda vermelha
De um “papel de bala...”
A paisagem torna-se mais bucólica
Em seus cachos e matizes…
Enquanto bordadeiras
De rostos rubescentes,
Sentadas em varandas,
Tecem coloridos “castelos”
No branco linho de sonhos
Que o arco facilitador estica.
O “jipe” sacode, se agita...
Palmo a palmo, conquista
Novas vilas, outros ranchos.
Assim como chegam, vão sumindo
Entre sombras de alamedas
Que num repente, vão surgindo.
Corre vento, corre vento...
Chega, chega… Corre, corre…
O gavião passa gritando
Mercê da própria sorte...
Nelsinho corre na várzea
Com a “pipa” de papel de seda
Que “ganha espaço” se esconde,
Passa ser o que ele queira.
Ora sonho, ora o real.
Ser gavião, ser andorinha.
Ser tudo, não ser nada.
Não ter lei, porque não cabe.
“Pipa” azul, ou azul somente.
Ter magia, ser verdade.
Subjetivo, sem ser altista.
Uma parte da paisagem...
Um sopro pequenino
Que o “jipe” leva no bojo:
Como sonho de menino!
O gavião guincha no espaço,
Cruza o éter,
Logo após, desce como raio
E mergulha na floresta.
Nelsinho acorda suado...
=VII=
Fábula
Uma andorinha só não faz verão.
Mas, faz (sem dúvida) a primavera...
Atente menino pra comunhão
De um bem-te-vi, solidário a andorinha
Que expulsa com fúria um gavião
E deixa livre o espaço pra avezinha.
- O que é fábula? (Perguntou Nelsinho.)
- Fábula, música que o vento afina;
Que se desdobra em estória umedecida.
Lição que, como chuva repentina:
Enxágua a alma, aconselhando a vida.
- Estória muitas vezes remoída.
Pássaros que se encontram por acaso,
Um mortificado pelo cansaço;
O outro, para o alheio, aponta a lida:
Um dia, uma andorinha desatenta,
Perdeu-se do “instinto” que arribava,
Como não tinha o norte que orienta,
Sentiu-se mínima dentro do nada.
Pousou, então, no galho do arvoredo;
Estranhamente, mas convidativo,
E ali, ficou a retalhar seu medo
Com “ar” sombrio, contemplativo...
O bem-te-vi que ao largo ali voava
Ao ver um intruso próximo ao ninho,
Célere partiu para impor o embargo;
Expulsar o estranho do seu caminho...
Bem-te-vi... Bem-te-vi... Fez-se zangado.
Bem valente, com seu bico agressivo!
Repente, surpreso, admirado, Apieda-se desse tom passivo
Que “toma conta” da pobre andorinha
A “estampar um semblante apreensivo!”
Ao ver cortar o céu em vôo tredo
O gavião feroz no espaço alado,
Mesmo até, por sentir-se ameaçado,
Resolveu enfrentar todo esse medo
Que se apossara da pobre andorinha
Que desgarrada do grupo, não tinha
Nenhuma chance, que fosse, quisera,
De ver a “Sagração da Primavera!”
Assim, parte célere, solidário,
Pra enfrentar o predador atrevido
Que havia invadido seu pedaço.
Com seu “bico em riste”, bem afiado:
Expulsa o gavião acovardado
E devolve à andorinha o seu espaço!
(Ronaldo Trigueiros Lima)
(CONTINUA)