= ANDORINHA = ( Livro-poema em capítulos) PARTE 2

ANDORINHA ( Livro-poema em capítulos)

PARTE 2

=III=

A viagem...

Só bem longe, para ter certeza,

Longe dos amigos,

Depois das curvas,

Olhar recôndito,

Silenciosas lágrimas

Que a mão cobre...

A dor latente

Que o jipe vence com a distância

E corre mesmo

Sobre o chão de barro,

Traço na areia

Desenhado

Por rodas que correm,

Que fincam,

Que marcam

O adeus...

Sentiu-se completamente só.

Ali, acolá, toscas casas;

Ranchos esparsos,

Desenhos de fumaça,

Chaminés convidativas

Ao sopé do relevo ondulado.

Enquanto isso, o jipe corre...

Invade pontes,

Faz barulho,

Sacoleja o corpo,

Desperta a alma.

De repente, o rio

Que segue ao largo, cochicha

Com pedras

Que o guardar reserva:

Um até-breve

Longo e largo no vai-e-vem entre folhagens...

Minutos, impulsionam horas

De poeira, distância assaz...

Lembrança entristecida

Do que fica para trás...

Talvez, neste momento:

Sabiá, Pituca, Lourenço...

Despencam atrevidos, correndo,

A mergulharem nus, escondidos,

Nas águas do rio do Peixe...

Quem sabe estejam lá fora

A lembrar do amigo distante:

Nas eternas brincadeiras

Do pomar das goiabeiras

Do Totonho fanhoso

No sítio do seu Jacó...

Quem sabe estejam perplexos...

Igual a Nelsinho agora,

Preso a garganta o engasgo

Um choro, um travo, um nó!

Já é quase meio-dia

O sol já vai alto...

Começam a surgir indícios

De simpáticos lugarejos

Que possibilitam alívios,

Que atendem necessidades:

Café com leite, pão com queijo,

Aquecidos ensejos

A aumentar vontades:

Ponta linha, pausa de estrada...

Cama macia, almejada,

Olhar o teto desconhecido.

Reflexão que afrouxa os sentidos:

Dormir... Sonhar... Chorar...

Talvez voar!

=IV=

Posto de gasolina

É preciso reabastecer,

“Arrumar” pousada:

- Não quero, de jeito maneira...

Noite adentro, cansado,

Seguir viagem desassossegado.

- Não quero! Diz o “tio” ao descer do jipe

Com seu olhar enigmático...

Mas, determinado

Em sua “ação” costumeira

Quase sempre temperamental

Aos olhos pedintes de quem nada faz...

Alguma coisa, que este mulato forte;

“Quarentão”, descontraído,

Pudesse melhor se sentir

A vista daqueles

Que talvez sempre o vissem

Com olhares intrigantes, maledicentes

Dos “sem rostos” disponíveis de Feira de Santana.

-O de sempre “Seu Zé?”

-Forever and ever!

Responde o “mulato”

Que segue insinuante para pousada,

Após falar alguma coisa “entre dentes”

Com um rapazola frentista

Que exibi um dente de ouro

Que brilha mais do que a brasa da tarde

Que o rio reflete...

Cai à noite sobre o vilarejo,

- Pequena “ilha” solitária-

Formada de ranchos,

Capela soerguida num promontório.

Posto de gasolina

(De fretes e juventude)

Motor do povoado.

Dali, todo vozeio perpassa:

Barulho, estalos, discussões

Que mete medo, assusta

E faz Nelsinho cobrir-se

Para não ver a sombra da noite

Que entra pelo quarto.

Pela manhã, como sempre...

Tudo parece se acomodar.

Nelsinho põe-se de pé,

Vê o “tio” arrumado frente ao posto

A se exibir com “bilíngüe excentricidade”.

Em largo aceno e sotaque arrastado:

Chama o menino para o café!

Depois, bem depois...

Diz paternalmente:

-Dê uma volta por aí

(Esse menino)!

- Não se afaste muito...

- Quero vê-lo aqui, em meia hora!

Nelsinho vai até a beira do rio

Tira o sapato, arregaça as calças;

Coloca os pés na água...

E com total intimidade desabafa:

- Não pensa que me engana,

Pálida cor trocada

A fingir que não me conhece,

A correr sem dizer nada...

-Não pensa que me engana

No disfarce da corrente

Que se arrasta pelo leito

Sem pedras a borbulhar...

Não pensa que me engana

Ao desenhar “cobrinha”

Que desfigura o caminho

Que aponta para o mar!

[Sei que rio não é gente. Nem pensa. Nem disfarça. Nem engana].

O rio é só água corrente,

Estrada que anda... Só isso!

Bobagem “malucar” que o rio pensa...

É que, (às vezes) o narrador se veste de personagem;

E acaba por inventar coisas,

Que o “engasgo” saudoso disfarça:

Porque o rio é minha lágrima

E o menino doce lembrança.

Agora, está ali, distante do que conhece:

Da mãe, dos amigos,

Do mundinho palmeado,

Sempre, sempre tão igual!

Até que de repente,

Seu José, homem falante,

De charuto proeminente,

“Caixeiro viajante”

Que se diz contra parente

Do finado Alcebíades,

Primo da mãe de Nelsinho,

Diplomado pelo mundo, conhecedor de outras “línguas...”

De outras terras, outras “gentes…”

Fumante inveterado.

Assim, “quase de cara”, disponível, “encantado”

Com a inteligência do menino,

Dispôs-se a ajudá-lo: - “lapidar a pedra bruta”.

- “Dotá-lo de conhecimentos, sabedorias”.

Para tanto, de bom alvitre seria

Levá-lo para um grande centro.

Interná-lo, se possível,

Em um colégio de “categoria”...

(Ronaldo Trigueiros Lima)

(Continua)

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 18/01/2014
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