[Poética do Amor Distante: Fragmentos]

É noite, a rua está calma. Venho debulhando meus sonhos pela caminhada; a bagagem pesa e os meus ombros doem: minhas forças cedem... virá alguém ombrear comigo este fardo? Não sei, não sei... meu coração não sabe, apenas pulsa — as curvas da estrada cortam o meu olhar.

Certas transições de águas são assim mesmo: antes, era apenas um córrego manso, levando lembranças do velho quintal, e carregando os barcos de folhas de umbigos de bananeira! Depois, a língua d’água do córrego agita-se, penetra a mata escura e some no rasgo da fêmea terra. E então, acontece aquela selvagem e sublime transição... um sôfrego abraço de água e de terra! Desse encontro, nasce um rio de amor.

... e, no entanto, algumas pedras, para o meu desespero, são de areia: ao vento forte que varre a avenida por onde desfilam os meus sonhos, essas pedras se desfazem em mil partículas coloridas — as cores dos meus sonhos! Esperança é uma palavra que a vida apagou do meu vocabulário!

Desconstrução é assim: Tento inúteis resgates de nós/ Mas é em vão esse meu debater/ O teto não é bom conselheiro/ O teto é só o companheiro de solidão!

As águas que passam são fiéis companheiras: para longe levam as minhas lágrimas; não revelariam meus segredos jamais!

A vida tem a cor que a dor inaugura em nós. Se for coisa recente, talvez tenha cura! Mas eu não creio em esperança, eu creio em rodas na estrada!

E assim será... iremos, madrugada afora, até as primeiras luzes do dia iluminarem os contornos de nossos corpos exaustos da noturna cavalgada!

A vida é mesmo um paradoxo: separa e mata aos pouquinhos; quem poderia dizer melhor: "[Mais la vie sépare ceux qui s'aiment, / Tout doucement, sans faire de bruit/ Et la mer efface sur le sable/ Les pas des amants désunis]"

Essa gota de vinho onde pousam os teus olhos: eu beberia dois copos de poemas a essa gota... isto é, se fossem derramados em teu ventre estuante de desejos!

À noite, somos criaturas aladas. Vôos rápidos nos levam à escura morada dos desejos.

No visor de nossa memória, dois arraiais, uma só lição de vida: no cemitério do Arraial do Campo Redondo, os velhos túmulos desmoronados nos lembram o que só temos uma vida a perder. E lá no Arraial do Barreirão, o vento agita os galhos da velha gameleira para que ela nos conte histórias dos amores perdidos, das esperanças gastas, das festas, da passagem das tropas, das gentes de desmedidas ambições que há muito já não são.

Tens toda a razão: as respostas que em vão esperas do teto vêm em invólucro feito de sangue, carne, ossos, nervos... Coisa que o teto, esse arauto da solidão, jamais te poderia trazer e nem tampouco mostrar o caminho para...

O sal de um olhar úmido só faz aumentar a sede de amar! Todas as manhãs deveriam ser ensolaradas e a mesa do café posta para dois deveria ter sempre uma toalha branca... E então, haveria nos olhos o brilho da felicidade, e não lágrimas! E mais: se não for assim, a vida estará sempre em falta, sempre!

Corta mais a distância que a faca? Não sei... não sei... ou antes: a distância é que apresta e afia a faca!

... e levas contigo a "esperança de que podes voltar", se a vida deixar!

Já tive um sonho com uma casa branca no alto de uma colina do cerrado; e para lá, rumava o féretro de mim. Mas há uma outra casa, também branca, e fica na serra da Mantiqueira, esta aguarda o trabalho de nossas mãos! Quem sabe, se vida houver após esta que estamos a esmerilhar, haja tempo?

O futuro é construção sutil, e cheia de ardis; desdobra-se desde o fundo de baús profundos...

Sobre o tempo, se fôssemos coerentes, faríamos apenas silêncio, pois tempo é ser... e o que temos feito do nosso ser comum?!

... depois... depois, só a distância e suas atrozes fantasmagorias de ciúmes, só a lixa grossa do sofrimento a nos ralar a alma, e só o afiar das facas que cortam em tiras o sonhos!

Aquela tua visage que em todas as manhãs conjura desejos em meu corpo, só me fala de gerúndios, devires — nunca de passados!