ENVELHEÇO SEM ENDEREÇO
É verdade mesmo, envelheci!
A gente vive por um tris
E então acaba entendendo
Que metade da vida é cicatriz...
O tempo velho companheiro e domesticado colibri
Hoje o travesseiro com meu cheiro
É meu confessionário libertário meu fiel parceiro
É onde me agarro com minhas garras trêmulas
E ele passou a ser um velho ninho quase abandonado
Se não fosse por meu aniversário que o tempo me subtrai
Quando se lembram de mim me trazem presente a vida que se esvai
E aí é que me lembro de que saí dos escombros do passado...
Neste asilo que mais parece o terço de lembranças
Entrecortadas de minha pobre mãezinha rezando por nós
Lembram que estou vivo entre azedumes em córregos de andanças
Pois às vezes até esqueço que este que fala é eu mesmo...
E olha que o tempo este cruel mandatário dos pós...
Como frio vento e causticante nos castigam sem piedade nem dó
Agora este passarinho que não mais precisa
Dos anos pra passar nem a direito nem a torto
Está com a bengala em riste pra que as pernas não se deem nó
Suas asas são mais pesadas que o frágil corpo
Que se lhe é muito pra andar neste inóspito portal
Assim esse velho e enrugado caminha por entre letras de menino
Cuja gaiola está aberta com hora incerta a nau badalando a sina do sino
Vai comendo do alpiste prisioneiro de seu destino...
É verdade mesmo! Envelheci...
A adrenalina é uma mulher que nos abandona
Qual cabelo arruinado sem raiz
Ninguém sai da terra eu bem sei
Dizendo eu estive lá voltei e volitei...
O tempo é um abismo intransponível
Vamos envergando em fruição nos encolhendo
A textura vai se desfragmentando sem remendos
A gravidade como imã me enverga a corcunda
Para beijar o sumidouro deste palácio de terra que se me afunda...
Olho-me no espelho e o chamo de traidor insolente
Pois vejo que ele não envelheceu comigo
Feliz sou eu com as rugas de meu umbigo
Amigo que não me abandonou como os dentes e parentes
O tempo ainda é meu saibam aos que em minutos me leem
Que avanço apesar da pequenez do grau a minha frente
Sou gente ainda pelo que me lembre de ser-me tardiamente
Só que a saudade agora pra mim é um pigmeu descontente
O tempo nas nossas carnes é temperamental e deveras incisivo
Lente de aumento é tudo que meus olhos cinza mais necessitam
Naquele tempo de outrora a hora era tudo de que precisava
O tempo é uma folha que vai rodopiando sem rumo e sem asa
Eu sei já fui Narciso e na juventude a muito me banhava neste harém
Agora espero em meu templo solidão o poço dos minutos secarem
As vorazes horas que de mim separam de Morfeu
Do espelho dos olhos em que a lagrima não seca em vão
Como o reflexo da luz da vela que se acendeu e morreu na escuridão.