A Machado

Amo esse homem. Para ele, uma modesta homenagem.

Alma contemporânea

de pouco romantismo.

Graceja de toda a alma humana.

Descortina-a com sinceridade

nada modesta.

Ri das nossas fraquezas

em suas célebres análises.

Enfeitiça toda a razão

e toda a ilusão.

Idolatram suas pegadas

Pegadas que não podem ser

seguidas.

Como sortilégio ou maldição,

você fica aí, de longe,

eternamente,

a contemplar seus feitos,

a caçoar de nós.

Um exemplo de sua genialidade no gênero menos conhecido por nós:a poesia.

O Casamento do Diabo

SATÃ teve um dia a idéia

De casar. Que original!

Queria mulher não feia,

Virgem corpo, alma leal.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

Resolvido no projeto,

Para vê-lo realizar,

Quis procurar objeto

Próprio do seu paladar.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

Cortou unhas, cortou rabo,

Cortou as pontas, e após

Saiu o nosso diabo

Como o herói dos heróis.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

Casar era a sua dita;

Correu por terra e por mar,

Encontrou mulher bonita

E tratou de a requestar.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

Ele quis, ela queria,

Puseram mão sobre mão,

E na melhor harmonia

Verificou-se a união.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

Passou-se um ano, e ao diabo,

Não lhe cresceram por fim,

Nem as unhas, nem o rabo...

Mas as pontas, essas sim.

Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

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