Ceia natalina
Achei meu corpo morto no chão
no entrecruzar de duas avenidas
recolhi-o em meu apartamento
para poder me deitar com ele todas as noites
misturar a minha doce alma
com o cheiro de putrefação
Alguns vizinhos de insanidade
vieram reclamar do odor
ignorei-os educadamente até que que suas vozes
passaram a se transformar na mesma massa em decomposição
os corpos deles se encontram na minha alma carcomida
Recolhi meu sentimentos
e passei a disseca-los um por um
servi-os em uma bela ceia de natal
para toda a vizinhança
não comi nenhum pedaço
permaneci deitada no sofá
com o estômago roncando a fome de existência
até que o pouco que restou de mim
que já não era nem corpo e nem alma
definhou de fome sofá
recusando até o último instante
a devorar a si mesmo
Meu corpo achou minha alma morta no chão
no entrecruzar de duas avenidas
e por desgosto de vê-la ou ignorância de sua identidade
deixou-a lá
morrendo sem documentos
no entreolhar da cidade