noite

inspiro e expiro um trago perdido

trazido dos tempos mais arredios,

tempos de dor na carne, joelhos doridos,

tempos de olhos exaustos e estáticos

corroídos pelo desejo torturado do não dizer,

tempos de amargor tácito nos lábios,

tempos de horror lacrado

expresso nos autos do querer.

seguro um papel trêmulo nas mãos:

um dedo de sangue percorre o passado,

os gestos fadados ao fracasso,

os choros silenciados em desvãos.

olho para fora e sinto a noite dos condenados

que flutua híbrida como uma brisa cortante;

a noite ilumina o desespero dos viciados

na esperança de um rompante

que traga alívio ao fardo

de ser invisível, tacanho, errante.