= NO TEMPO DOS QUINTAIS =

No Tempo dos Quintais...

- I –

No tempo dos quintais eu festejava a vida

Sem qualquer preocupação que fosse.

Tudo era nuvem, sonho, vertigem

No tempo dos quintais...

No alto da goiabeira,

Percalço de galhos espontâneos,

Entrelaces de brisas

Balançavam os galhos do meu trono:

No tempo dos quintais,

Eu era tudo... Tudo que eu quisesse:

Um ponto aberto sem reprimendas;

Cantor, saltimbanco; o que surgisse,

No tempo dos quintais...

Naquele tempo

O vento era doce, E eu podia senti-lo de uma só vez ensinando-me sem pressa

As cantigas do mundo!

No alto,

La nas grimpas da goiabeira,

Eu era anjo, era deus, era águia...

Ponderava fantasias,

Disputando goiabas com meu irmão...

O mais difícil mesmo, era abdicar

De ser um ponto abaixo Na escolha do meu trono.

(...)

- II -

Vejo-lhe ainda agora meu “faz de conta”...

Vejo-lhe entre pausa anoitecida,

Fotografada e compelida;

Rio que corre na lembrança.

Vejo-lhe também num clarão da memória,

Acendendo o céu com lágrima e melaço,

Enquanto os pés se divertem no compasso

A ensaiar o pulo da fogueira.

A batata encandeava meu espanto,

Cozimento e faíscas estaladas,

E as histórias surgiam ornamentadas

Instigando medo às crianças.

Lá em cima, além da goiabeira,

“Varando” limites do dito real,

Um sopro de vento levava o balão

À terra do nunca, distante do chão...

III

Quando tudo for ruim Sem alegria que valha,

Sem a pena que voe

Distraia o olhar...

Quando tudo for triste

Pelos motivos que visto,

Encabuladas razões

Apetecidas de nada...

Quando o encanto se perder

Atrás da fechadura,

No batente da calçada

No piche da rua...

Quando a dor for mais forte

Do que possa e aguente:

Hei de Lembrar do papai

A nos ensinar estrelas

Feitas com fogos “Aimoré,”

Que clareavam meus sonhos...

E quando a insônia apertar

E os olhos se afogarem

Por Tsunami sucessivos,

Resta-me seguir pedrinhas

Que deixei pelo caminho,

Retornar ao ponto do familiar concerto,

E chegar a tempo de ouvir ao piano

Mamãe tocar “Saudades de Ouro Preto...”

- IV -

Depois,

Vieram carneiros balindo... Balindo...

Com medo de abrir os olhos

De acordar o escuro

Que mora dentro da noite

Com olhos que tudo vê!

Depois,

Vieram nuvens chorando... Chorando...

Com águas sem mágoa

Que curam a “Gagueira...”

Hoje,

Há um “quintal dentro de mim”

Guardando meus mortos:

Papai, mamãe, Lourdes,Pilarzinha, tia Edith, tio Nelson

E todos que se foram,

Que deixaram o “faz de conta”...

Na certa, em algum lugar,

Entre o céu e a terra,

Em ponto impreciso,

Guardam um tesouro escondido...

Em 23.07.98

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 22/12/2013
Reeditado em 01/02/2014
Código do texto: T4621079
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