ANDAR & ANDAR

(para Therezinha de Jesus, 79 anos)

Minha mãe tem as pernas e as penas

do mundo. Desliza por suas asas

desde 1926. O mundo é grande e pequeno!

Suas pernas bambas de andar

tropeçam em qualquer inço da calçada,

em qualquer ressalto.

Antes, era a longa manus para o caminho,

para o terno abraço, para o pão e as rezas.

Minha mãe ainda sabe dos pequenos passos,

reaprende-os todos os dias.

Quando se apóia, encolhida desde as vértebras,

finge estar dormindo em 1930.

Quando abre a boca

(e as rugas ornam os lábios

deslocando a dentadura),

o sopro da vida lhe dirige a palavra:

nem sempre nasce um lírio.

- Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance, 2005, p. 70.

https://www.recantodasletras.com.br/poesias/46103