[Devaneios em um dia chuvoso]
Diferente do Fernando Pessoa,
eu não estou “ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,”
mas estou ao volante de um Honda pela estrada sem onde!
Chove. Chove o dia todo,
como se o estado normal
da terra fosse chover desde sempre...
Olho os meus velhos livros,
olho os minhas ferramentas,
olho os retalhos de madeira que guardei,
olho a garrafa de água com gás,
olho... olho... olho...
e escuto o relógio de parede...
Vejo claro o resumo da vida:
tenho meios,
tenho carro bom,
tenho o exíguo tempo que nunca tive,
e, mesmo sabendo que eu deveria ir,
eu não tenho para onde ir!
Se eu tivesse, será que eu iria?
Na vida, sou especialista em errar,
ficar perdido nos desertos que eu me crio,
ou em meus devaneios escritos
na rarefação do ar que me cerca.
Errei de carreira, errei de vida, errei tudo...
ah, de certo, certo mesmo, até hoje,
só o que fiz foi comprar um Honda Civic...
Então, assim sendo, o poeta Drummond me diria:
"Não possuis rumo, casa de que gostes,
amores que valham a pena de viver;
tudo somado, devias precipitar-te, de vez,
de alguma montanha de Minas...
Estas nu, meu filho,
não tens nem um cão,
mas tens um Honda!"
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[Desterro, 24 de novembro de 2013]