A LÁPIDE TOMBADA

Ser e saber-se uma poesia ativa (o que não implica em dizer, dentro de um espectro político, metafísico ou outro espectro qualquer, "engajada", "militante"), eis, talvez, a máxima prerrogativa que a poesia arrisca reivindicar para si mesma. Em todo caso, coisa rara de se dar. Digo: esse "ativismo". Não puro, mas depurado. Que, por natureza, é sempre polifônico, multi-facetado. A temática, no caso, seja ela qual for (o que nos melhores poemas se processa numa forma incidental, diluída) acaba por se metamorfosear num corpo significativo, matriz de novos valores, novas conceituações – uma forma particular, inaugural de transcendência que pouco ou nada guarda de seu leitmotiv original. Certo? Ou antes pelo contrário. As escolhas e/ou afinidades temáticas de um poeta, rigorosamente salvaguardadas, como um programa composicional, seguido passo a passo, seriam justamente aquilo que caracterizaria a autonomia do poeta em relação à pura inspiração, e que por si só justificaria a existência do poema como a realização de uma vontade refletida, crítica, autoconsciente e, assim sendo, um objeto de relevante importância social? Mas o que dizer agora – aplicáveis nos dois casos – dos “motes”, dos pequenos e grandes temas “tomados de empréstimo” a outros poetas, sobretudo daqueles que a tradição consagrou? Mas que importância pode haver em se percorrer caminhos já percorridos. E ainda mais com tamanho brilhantismo, como diz e realizou T. S. Eliot em sua própria obra: “E o que há por conquistar, / Por força e submissão, / já foi descoberto/ Uma, duas, ou várias vezes, / por homens com quem não se pode / Pretender rivalizar – …” E em seguida, oferece um consolo (ou não) para os atrevidos: “mas não se trata de competição – / E sim de uma luta para recuperar o que se perdeu / E encontrou-se e outras vezes se perdeu – / e agora em condições que não parecem favoráveis. / Mas talvez nem ganho nem perda. / Para nós, há somente tentativa. / O resto não é de nossa conta…” Será mesmo? Porque a questão crucial, ao que me parece, está em não se contentar em oferecer apenas um mero resgate, pálido e insosso, daquilo que se “perdeu”, e consolar-se com a ideia ingênua de que, sim, de fato houve uma contribuição pessoal, embora reconhecidamente tímida, para essa reedição tão almejada.

A LÁPIDE TOMBADA

A lápide,

Entre os seixos tombada,

Comporta curiosas revelações.

Momentos quedados ao largo do presumível

Apontam fatais alterações.

Alteraram-se os rumos.

Já o destino antecipa a ação descarnada.

E o que suporíamos já supôs o suposto.

A lápide tombada acusa e comporta.

Coabita com a queda e subtrai o momento.

Alteraram-se os destinos.

Já o rumo aponta sem ser traçado.

E o que presumo já não presumi.

Na lápide tombada

O tempo ruiu a rumorosa trama.

E o olvidado acossou a extinta flama.

Parte-se todos os dias para todos os dias.

A meta é a própria meta em que me distingo.

Alimentamos a chama que o tempo olvida.

Crepitamos os ossos que a inércia retoma.

E os seixos subsistem aos mortos.

Nisso estamos para os fastio da trama –

Não conclusos tampouco inconclusos.

Antes, desarticulados.

Vazios de sentidos.

Apenas alertas ao pó de nossos funéreos restos,

Na inflexibilidade do irredimível.

Pesa-nos já as carcomidas vestes,

Qual o pudor doutra realidade.

Voltar às cinzas demanda tamanha moralidade

Que exaspera os vermes.

Porém, retomamos o cálice num fundo falso de deus.

E, ao levá-lo aos lábios, expiamos o mesmo deus

Da nossa heresia.

Réquiens doutro princípio

Enredaram os corações vacilantes.

As vozes, extintas entre catedrais falecidas

Reverberaram a fixidez das almas.

E no só espaço de nossos percalços

Encetou-se o tempo delator.