Umbilical se fez em si a poesia

Umbilical se fez em si a poesia

no dia em que lhe rasgaram a derme da alma,

como folha inútil, desqualificada de papel.

Que se viu sirena envolta numa opaca rede rota.

Nos grilhões, algemas, do mais duro ferro.

Rede revolta a declivar de lá, do mais despótico morro.

E a sua voz, de tão pesarosa, se quedou, quieta, muda

no mais silenciado silêncio.

Sem medo, em redil, agremiada

na emboscada de si mesma ser, o próprio covil.

De fera louca, de maga, bruxa ou fada. Druida dengosa

a bailar nos picos erectos dos milenares alfabetos,

de si mesma, “Rosa, Rosa do nada" na floresta da vida.

Alcantilada.

De se percorrer percorrida em declivadas colinas helénicas.

erguidas - como se impõem sejam, as mais altaneiras colinas.

De ser planície larga a concorrer com a largura infinda do mar.

Rugiram então rugientes, Ralos e Cigarras.

Ásperas, austeras, inclementes.

Rugiu no silêncio a espuma leitosa do mar.

Amputou-se-lhe a alma, fatiada em fatias gangrenadas.

Metáteses invasivas das suas mais silenciosas chagas.

Fatias largas, fatiadas em vocábulos, abscessos purulentos,

sempre a purgar na noite continuamente presente

das bouças estradas. Iluminadas p´los raios ácidos,

dos gumes naifados de persistentes luares.

Ergueu-se, armadura, na força do verbo encabado,

jamais acabado. Karma, fado!

Construiu-se na ponta de uma enxada cuspida nas mãos

de um ancestral cavador!

Usou-a na hora em que os montes

descem de si cansados

a beber água nos espelhos vítreos dos lagos,

que se descansam doloridos nas planuras dos prados.

Que ousam assentar no colo salgado das salinas

e que se silenciam no silêncio adormecido

das raízes mais finas.

Que se vestem – os montes – da pele arrancada

aos rejeitados caroços...

Pêndulou num andamento estranho, em que sombra

fugidia se agilizou escondida, felino gato,

no calcanhar do sapato.

Onde lhe doía!

Umbilical se fez em si a poesia ...

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 20/04/2007
Código do texto: T456789
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