Salvador (para Salvador Puig Antich)

Vi seus olhos meigos sob a venda

E senti a lágrima quente que rolou.

Percebi o hesitar de seu carrasco

Que com mãos trêmulas,

Acionando o torniquete, o executou.

Sua face, ante a morte, impassível,

Revela que a história continua

Ainda que em outros corpos, além do seu,

E que sonhos não morrem se neles se crê,

Brotam em safras novas a cada amanhecer.

Frágil corpo de menino sob o verdugo

Reluta a exalar o último sopro.

Sabe do sufocar que se faz perto

Com frios ferros feitos a cara do tirano

Que despoticamente seguirá matando.

Mas se ante a espada não se assusta o anjo lindo

Quem a maneja treme e evoca deuses vãos.

Mas se ante a espada se agiganta o anjo lindo

Treme quem a maneja e se apóia em deuses vãos!

Ouvi de novo sua voz nas passeatas

Seu sangue em fervor pulsando novas artérias

As ruas clamando por sua alma de guerreiro

Mugem miúras a assombrar cães carniceiros

Que na página próxima se vêem sob chibatas.

Vazam as fronteiras de sua pátria seus clamores

Varrendo os dois lados do oceano tenebroso

Devolvem ao subordinado o grito que se estrangulou

E o alimentam para enfim virar a mesa

E o dominador então ser feito a nova presa.

Brotam ácidos e doces os hodiernos frutos

Últimos suspiros deste outono e do vergel

Que queimam a língua dos alvissareiros do fim

Apontam o inédito que se avista com o porvir

Desfraldam e adoçam o inevitável devenir.

Mas se ante a espada não se assusta o anjo lindo

Quem a maneja treme e evoca deuses vãos.

Mas se ante a espada se agiganta o anjo lindo

Treme quem a maneja e se apóia em deuses vãos!