As mãos e os pés calejados
remexendo gavetas da memória
muitas delas emperradas pelos calos citados
revi as mãos firmes de meu pai
ostentando como troféu grandes calos
frutos do árduo trabalho no campo
e esses mesmos calos, mais tarde lhe serviram
como garantia no armazém da cidade
onde tentava comprar fiado
o mesmo arroz e feijão que ele plantava no roçado
revi a minha estrada - empoeirada
os pés cheios de calos
feitos pelos sapatos de numeração menor
ou do tênis aproveitado de alguém que o pé cresceu
vi ainda os calos provocados pelo lápis miúdo
quase sumindo por entre os dedos
os cadernos cuidadosamente apagados
para então se escrever novamente.
não me lembro de ter cadernos novos.
chegou a juventude
os pés e os dedos acostumados à luta,
não sofriam mais
aí vieram outros calos!
a injustiça e a falta de liberdade, calaram minha voz
uma mordaça de ferro impedia o meu grito
as paredes que me cercavam
provocaram calos na minha alma e nos meus sonhos
hoje os meus calos mais doloridos
são aqueles dos tempos perdidos
talvez a falta de fé, a descrença do que sonhei,
do que acreditei um dia
a utopia deu lugar ao vazio e ao comodismo
e os calos que me machucam
marcam rostos marginalizados
pela falta de decência.
vejo-me calejada pela luta contínua
renego veemente os calos da ignorância,
da covardia, da prepotência
e tantos outros que batem na minha porta
todas as manhãs estampados nas manchetes
com letras garrafais