GONÇALVES DIAS "AINDA UMA VEZ ADEUS"

AINDA UMA VEZ – ADEUS!

Enfim te vejo! – enfim posso,

Curvado a teus pés, dizer-te,

Que não cessei de querer-te,

Pesar de quanto sofri.

Muito penei! Cruas ânsias,

Dos teus olhos afastado,

Houveram-me acabrunhado,

A não lembrar-me de ti!

Dum mundo a outro impelido,

Derramei os meus lamentos

Nas surdas asas dos ventos,

Do mar na crespa cerviz!

Baldão, ludibrio da sorte

Em terra estranha, entre gente,

Que alheios males não sente,

Nem se condói do infeliz!

Louco, aflito, a saciar-me

D’gravar minha ferida,

Tomou-me tédio da vida,

Passos da morte senti;

Mas quase no passo extremo,

No último arcar da esp’rança,

Tu me vieste à lembrança:

Quis viver mais e vivi!

Vivi; pois Deus me guardava

Para este logar e hora!

Depois de tanto, senhora,

Ver-te e falar-te outra vez;

Rever-me em teu rosto amigo,

Pensar em quanto hei perdido,

E este pranto dolorido

Deixar correr a teus pés.

Mas que tens? Não me conheces?

De mim afastas teu rosto?

Pois tanto pode o desgosto

Transformar o rosto meu?

Sei a aflição quanto pode,

Sei quanto ela desfigura,

E eu não vivi na ventura...

Olha-me bem, que sou eu!

Nenhuma voz me diriges!...

Julgas-te acaso ofendida?

Deste-me amor, e a vida

Que ma darias – bem sei;

Mas lembrem-te aqueles feros

Corações, que se meteram

Entre nós; e se venceram,

Mal sabes quanto lutei!

Oh! se lutei!... Mas devera

Expor-te em pública praça,

Como um alvo à populaça,

Um alvo aos dictérios seus!

Devera, podia acaso

Tal sacrifício aceitar-te

Para no cabo pagar-te,

Meus dias unindo aos teus?

Devera, sim; mas pensava,

Que de mim t’esquecerias,

Que, sem mim, alegres dias

T’esperavam; e em favor

De minhas preces, contava

Que o bom Deus me aceitaria

O meu quinhão de alegria

Pelo teu quinhão de dor!

Que me enganei, ora o vejo;

Nadam-te os olhos em pranto,

Arfa-te o peito, e no entanto

Nem me podes encarar;

Erro foi, mas não foi crime,

Não te esqueci, eu to juro:

Sacrifiquei meu futuro,

Vida e glória por te amar!

Tudo, tudo; e na miséria

Dum martírio prolongado,

Lento, cruel, disfarçado,

Que eu nem a ti confiei;

“Ela é feliz (me dizia)

“Seu descanso é obra minha.”

Negou-me a sorte mesquinha...

Perdoa, que me enganei!

Tantos encantos me tinham,

Tanta ilusão me afagava

De noite, quando acordava,

De dia em sonhos talvez!

Tudo isso agora onde pára?

Onde a ilusão dos meus sonhos?

Tantos projetos risonhos,

Tudo esse engano desfez!

Enganei-me!... – Horrendo caos

Nessas palavras se encerra,

Quando do engano, quem erra,

Não pode voltar atrás!

Amarga irrisão! reflete:

Quando eu gozar-te pudera,

Mártir quis ser, cuidei qu’era...

E um louco fui, nada mais !

Louco, julguei adornar-me

Com palmas d’alta virtude!

Que tinha eu bronco e rude

Co’o que se chama ideal?

O meu eras tu, não outro;

Stava em deixar minha vida

Correr por ti conduzida,

Pura, na ausência do mal.

Pensar eu que o teu destino

Ligado ao meu, outro fora,

Pensar que te vejo agora,

Por culpa minha, infeliz;

Pensar que a tua ventura

Deus ab eterno a fizera,

No meu caminho a pusera...

E eu! eu fui que a não quis!

És doutro agora, e p’ra sempre!

Eu a mísero desterro

Volto, chorando o meu erro,

Quase descrendo dos céus!

Dói-te de mim, pois me encontras

Em tanta miséria posto,

Que a expressão deste desgosto

Será um crime ante Deus!

Dói-te de mim, que t’imploro

Perdão, a teus pés curvado;

Perdão! de não ter ousado

Viver contente e feliz!

Perdão da minha miséria,

Da dor que me rala o peito,

E se do mal que te hei feito,

Também do mal que me fiz!

Adeus qu’eu parto, senhora;

Negou-me o fado inimigo

Passar a vida contigo,

Ter sepultura entre os meus;

Negou-me nesta hora extrema,

Por extrema despedida,

Ouvir-te a voz comovida

Soluçar um breve Adeus!

Lerás porém algum dia

Meus versos, d’alma arrancados,

D’amargo pranto banhados,

Com sangue escritos; – e então

Confio que te comovas,

Que a minha dor te apiade,

Que chores, não de saudade,

Nem de amor, – de compaixão.

Poesia do grande poeta Gonçalves Dias !