De carne e osso
Não, você não me viu perfumada,
De make-up, scarpin, meia fina;
Nunca viu minha foto em menina
E não sabe de mim nem um nada.
Desconhece se sou das que grita,
Ou, discreta, sussurra e geme;
Não provou minha vil TPM,
Não me viu ansiosa e aflita.
Nem cogita, se um dia me bate
Essa angústia inerente ao viver,
Se medito tentando entender
Ou me acho num bom chocolate.
Não me viu procurando uma vaga,
E nem sabe se sei manobrar;
Quanta multa vou ter que pagar,
Quanta culpa já tenho bem paga.
Não conhece meu modo, meu jeito,
Quais as coisas que amo ou desprezo,
Pra que deuses me imolo ou rezo
E o que sobra, virtude ou defeito.
Nem deduz como, na escuridão,
Penso nela, a idade que nego:
Se passiva ao tempo me entrego
Ou se corro ao cirurgião.
Nunca viu minha caligrafia,
Nem meus erros, meus gostos e medos;
Ignora se tenho segredos,
Pois você só me viu na poesia.