Cintilâncias
Quisera nada disto haver desfrutado, conhecido
Jamais o que senti haver sentido
Jamais esse bem haver provado
E comigo mesma um encontro haver marcado
Eu não queria o gosto da poesia adejando na pele d’alma
Queria era um lugar-comum
Um presente e uma perspectiva, mesmo que turva,
Do futuro
E a cada manhã sepultar o passado
Para que me serve agora
Na boca e ao redor dos lábios esse concerto
De beijos um bailado
Eu não queria ser poeta ou poetisa
Nem o amedrontador sopro da poesia
Em meu peito aninhado
Nada disto eu quis
E agora
Onde guardarei este tesouro que em mim não cabe
As cintilâncias dessas joias
Queimando as retinas dos meus olhos espantados
E agora percebo que bom é ser demente
Nesse invencível mundo que se posta à minha frente
E agora e agora
Sou de mim mesma ladra e roubo o que Deus me deu de alento
E saio por aí espalhando
Pelos quatro cantos do Universo _mas o Universo não tem cantos_
Nem existem dois, três ou quatro ventos
Voo, enfim, na direção contrária ao tempo
E me desfaço em partículas
Nunca mais me reconhecendo
Essa nova criatura em mim
Quisera que nunca mais me dissesse
Nunca mais lesse ou escrevesse um verso
E completamente a condição humana ignorasse
E como uma máquina formidável agisse
E também pensasse