A diva na sala de antiguidades

Eu vi entre aquelas coisas antigas

Desgostadas, vendidas

Eu vi uma moça

Era linda

O sorriso a sala iluminava

Emprestava mais valor aos bisquis

As riscas de ouro faiscavam

E ela ali

O busto no decote como as ondas do mar

Dos dentes emanava o segredo da vida

E a boca

A boca amornava o ambiente

Ela sorria

Ele a olhava docemente

As luzes todas acesas

Os cristais do lustre entre si conversavam

E dela se admiravam

Ela inocente e bela

Só isto sabia ser, bela

Não se sabe se era real

Se era uma tela

Eu vi

A sala se encheu de convivas

Eram mancebos e divas

Na festa do noivado

As pernas cor de pérola

Os finos pés nos sapatos de pelica

Um broche de diamantes

Se entendia com os brincos e a gargantilha

E ela sorria e sorria

Ele encantado, apaixonado

A gravata ajeitava

Os olhos de luz latejavam

Estendeu-lhe a mão

A valsa no salão

Os passos dela auxiliavam o piano

Os passos dele acompanhavam

Bailavam bailavam

Os cabelos dela sob o lustre de luz exageravam

O perfume se espalhava

E os ombros dele inundava

Ele o mais feliz dos homens

Ela inocente dançava

Que belos braços que tinha

Aquela deusa da sala

E eu ali transtornada

Não sabia

Se sorria, se falava, se chorava

Bem de longe eu percebia

Que na sala de antiguidades

Era o lugar onde eu estava

Mas aquela moça de mãos delicadas

De dedos de Michelangelo

Me atraía e eu girava

Ele com o braço à cintura

Aquela criatura conduzia

E eu vi no rosto dele

O tanto que a queria

E ela inocente

Dançava, sorria

A cena foi bem mais demorada

Mas a palavra não me ajuda

Eu vi

Eu vi aquela moça

Que do passado evolava

Aquela maravilha sem par

E a Deus, intimamente, eu queria perguntar

Como Ele fez uma obra tão perfeita

Para depois se estragar